Category Archives: Think Tank

fetichismo

No mesmo embalo do artigo sobre Tim, logo abaixo comentário meu publicado na Ilustrada de hoje, sobre o momento em que as grandes gravadoras parecem virar agências de fonogramas, como as editoras são procuradoras das composições. Os próprios produtos físicos já são comumente terceirizados, vide a série Clássicos em Vinil da Polysom, os CDs da Coleção Cultura ou as edições da Dubas. // Relançamentos de música brasileira por aqui são poucos, em vinil conta-se nos dedos das mãos. Mas estão cuidando disso (das maneiras mais oficiosas às mais caras-de-pau) estrangeiros como 4 Men With Beards, Dusty Groove, Soul Jazz, Ubiquity, Luaka Bop, Él, Kindred Spirits, pra não citar os inúmeros selos europeus anônimos. Se no Brasil o fetiche ainda é meio molambo, mundialmente o enorme potencial de mercado já anda sendo bem explorado, especialmente pelos pequenos selos – notoriamente mais ágeis em produzir, se adaptar e achar o alvo. Se você não é o maior, já está trabalhando com segmentação: o golpe de mestre é saber o quê pra quem e realizar todo o potencial disso. Tudo que não é luxo é mato.

Até outro dia, o papel de uma gravadora era perfeitamente claro: descobria artistas com potencial pop, ajudava a estruturar carreiras, custeava, comercializava e distribuía gravações, auxiliando em divulgação e marketing.

Com a tão falada democratização dos processos de gravação e a facilidade irrestrita de distribuição virtual, os papéis mais essenciais das companhias fonográficas foram colocados em xeque. Se antes as maiores mutinacionais de disco do mundo eram chamadas de Cinco Irmãs e controlavam praticamente toda a indústria que girava em torno da música gravada, atualmente são três ou quatro, que perdem dinheiro ano a ano.

Contra os custos de gravação, produção, arte, sem os investimentos pressupostos no lançamento de novos artistas, existem os catálogos, coringas certos nas listas de lançamentos. O lado bom de ser uma major e uma das tarefas mais importantes da música como comunicação, cultura, história: cuidar do acervo e manter vivas as glórias passadas.

Jorge Lopes, da EMI, comentou em reportagem na Ilustrada (em 7/7/10) que o catálogo gerava 60% da receita da gravadora, versus 40% de investimento. Público formado, sem custos ou investimentos, discos clássicos: lucro certo.

Ao mesmo tempo, no mínimo centenas de gravadoras pelo globo já entenderam esse jogo e cuidam de relançamentos em diversos níveis de legalidade, mas com alto padrão de capas, encartes, áudios, extras.

Relançar é contextualizar, não apenas não colocar no mercado. Se os fãs antigos já possuem os discos em todos os formatos que não são inéditos e os fãs novos e casuais estão mais próximos da internet que das lojas, a solução parece ser o fetichismo de um trabalho de enriquecimento de áudio e pesquisa de extras e informações para o colecionador ou a atração de um belo pacote de apresentação ao novo consumidor em potencial.

the curious resurgence of vinyl

J&R Music, at 23 Park Row southeast of City Hall Park, now carries 21 different turntables at prices ranging from $85 to $875. Some are traditional analog record players; others are designed to connect to computers for converting music to digital files.

Rachelle Friedman, the co-owner of J&R, said the store is selling more vinyl and turntables than it has in at least a decade, fueled largely by growing demand from members of the iPod generation.

“It’s all these kids that are really ramping up their vinyl collections,” Ms. Friedman said. “New customers are discovering the quality of the sound. They’re discovering liner notes and graphics.” In many instances, the vinyl album of today is thicker and sounds better than those during vinyl’s heyday in the 1960s and 1970s.

Sales of vinyl albums have been climbing steadily for several years, tromping on the notion that the rebound was just a fad. Through late November, more than 2.1 million vinyl records had been sold in 2009, an increase of more than 35 percent in a year, according to Nielsen Soundscan.

Pronto, depois do LA Times e da Billboard (e tantos outros, but who’s counting?), o NY Times anunciou: o vinil voltou. // As vendas de LPs (contando só prensagens novas) subiram 37% em 2009. As de CDs caíram 20%. Te diz alguma coisa?

(foto daqui.)

dois milhões de vinis

Year-to-date vinyl record sales topped two million units last week, breaking the previous record of 1.9 million units last year. At the same point in time last year, SoundScan had tracked 1.5 million sales of vinyl records.

That’s roughly a 37% year-over-year improvement. Vinyl has come a long way from the period in the ’90s when it was a format that was almost exclusively used by underground rock bands and DJ-oriented genres. Many years passed when most artists – especially mainstream artists – did not have vinyl releases (many still do not have vinyl releases).

Though it gained momentum towards the end of the decade, it wasn’t until the mid-2000s when new releases of all stripes were being released on vinyl, when it was seen as a purer way to experience music in an era of near-ubiquitous digital music. Labels started offering MP3 downloads with vinyl purchases, thus creating a great digital-physical combination. Today, consumers can find vinyl in both mass merchants and the usual Independent stores.

Se você ainda não tinha percebido pelos discos na FNAC e na Cultura, pelas festas com o algo-a-mais analógico, pelo ubiqüidade do assunto nos cadernos de comportamento e rodas de papo, a Billboard confirma (via dados da Nielsen): as vendas de discos em vinil em 2009 estão quebrando recordes.

let as many people as possible copy your invention

Under copyright law, what matters is not that you copied someone else’s work. What matters is what you copied, and how much you copied. Intellectual-property doctrine isn’t a straightforward application of the ethical principle “Thou shalt not steal.” At its core is the notion that there are certain situations where you can steal. The protections of copyright, for instance, are time-limited; once something passes into the public domain, anyone can copy it without restriction. Or suppose that you invented a cure for breast cancer in your basement lab. Any patent you received would protect your intellectual property for twenty years, but after that anyone could take your invention. You get an initial monopoly on your creation because we want to provide economic incentives for people to invent things like cancer drugs. But everyone gets to steal your breast-cancer cure—after a decent interval—because it is also in society’s interest to let as many people as possible copy your invention; only then can others learn from it, and build on it, and come up with better and cheaper alternatives. This balance between the protecting and the limiting of intellectual property is, in fact, enshrined in the Constitution: “Congress shall have the power to promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited”—note that specification, limited—”Times to Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries.”

Trecho de texto do Malcom Gladwell sobre plágio, copyright e criação derivada, do site dele, originalmente na New Yorker. (Outra achada pelo Lombardi, mapeador de ótimas matérias gringas.)

Ano 10

Tudo vem convergir nesse fim de semana, pré-feriado, ponto áureo do ano: todo dia rola alguma coisa como parte das comemorações dos dez anos da YB, mais legal e importante gravadora em São Paulo hoje, de Curumin, Romulo Fróes, Nina Becker, Bruno Morais.

Amanhã, por exemplo, acontece no Auditório Ibirapuera show desses que não é a qualquer hora: Nouvelle. É a volta – pelos menos pra um show – da grande banda de jazz paulistana, Guga Stroeter no vibrafone, Luca Raele no clarinete, Mauricio Tagliari na guitarra, vários cantores convidados e aquele som sublime.

Hoje, no MIS, a Lulina faz show de lançamento do seu disco, Cristalina, todo brilhante.

E no domingo, no mesmo MIS, tem nova edição da conversa aberta sobre caminhos da música, Think Tank especial cinema nacional, com mediação d’eu mesmo. Logo depois, continuando cinematográfico, show-trilha do sensacional Frame Circus.

Aproveitando o fôlego, lá no MIS rola ainda a estréia do projeto Estúdio A, espécie de single para nossos tempos. Artistas entram no Estúdio A da gravadora e tocam uma faixa inédita, que depois a YB põe na rua em mp3 e vídeo da sessão. Na primeira temporada tem Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Blubell+À Deriva, Bruno Morais e Lulina. Além do piloto, com Juliana R. Massa demais.

*

Segue a programação inteira do que anda rolando com a YB por aqui.

Think Tank Especial Artistas

No ar essa semana nova edição da roda de pensamentos sobre as possibilidades da música no nosso mundo 2.0. Mas dessa vez, depois de algumas edições com produtores, gente-de-gravadora, pensadores e opinadores, eu e Mauricio Tagliari resolvemos juntar quem está com o seu na reta pra dar impressões: os artistas. Convidamos Rogerman, Luisa Maita, Curumin, Romulo Fróes, Dani Gurgel, Thiago Pethit e Lulina e sentamos no Estúdio A da YB para perguntar: o que vocês querem, o que vocês esperam, o que vocês precisam e o que vocês fazem da carreira de vocês?

Alguns dos melhores momentos, divididos em seis blocos, aqui ou logo abaixo.

Começando a conversa, Romulo explica a tática secreta por trás de lançar um disco duplo e ao mesmo tempo liberar seu download nos blogs por aí: “eu acredito que quanto mais gente tiver meu disco no iPod, mais gente vai ao meu show – e quando a pessoa tiver lá, pode querer comprar o disco”. Não dá pra ir contra. Rogerman ainda conta de quando inventou o esquema Radiohead antes do Radiohead e dá toque de humildade aos compositores: pra quem faz música, ela é a coisa mais importante. Pra quem trampa todo dia, tem que pegar aquele ônibus, trem, metrô, música é a quinta, sexta, oitava prioridade na vida.

Dani Gurgel, que anda experimentando nova maneira de financiar um disco, pelo ArtistShare, conta mais sobre como funciona: você pode comprar desde março um disco que vai sair em setembro – ou seja, uma participação na história e na carreira do artista. Ao longo do processo, vai acompanhando a produção e inspirações, esquema reality show.

Thiago Pethit nota: o conceito de criatividade não está mais só na música, mas em como você a coloca no mundo. Curumin admite que é uma loucura correr atrás, todo dia é um lance novo que está acontecendo. Mauricio elogia o case Caetano e pergunta, sem nem falar só de mercado: qual o papel do artista nessa história? Thiago faz o balanço e responde: dá trabalho pensar em tudo, mas a compensação é ser dono absoluto de tudo que acontece na carreira. E Curumin vê o outro lado: em outras épocas talvez nenhum de nós tivesse nem conseguido gravar, quem dirá encontrar seu espaço.

Rogerman conta da chocante experiência João do Morro, em Recife. Romulo nota que esse hype não é referencial praquela galera, mas ao saber da música em que ele cita nominalmente todos os puteiros da cidade, Lulina tem uma luz: a tal brodagem que Miranda defende ser o futuro da música não é só agradar seus amigos, mas dar ao seu público algo especial, pra ele se sentir parte daquilo. Dani concorda: “o mais importante é o cara chegar pro amigo e dizer, ‘ouve isso!'”.

Você passeia pelos MySpaces da galera e descobre um monte de gente legal. Você vai nos shows por São Paulo e todo dia tem gente boa. Uma hora vai rolar algo, tipo estouro nacional, tipo rolou com o mangue beat. É o que defendem Romulo e Rogerman. Já Luisa Maita concorda que a cena de agora é incrível, muito melhor que cinco anos atrás. Mas ainda está esperando aquele momento em que os trabalhos vão ter uma unidade e falar por muitas pessoas, evoluir mais e mais, descobrir uma linguagem – comunicação é a palavra chave.

Curumin fala das suas impressões e do lado bom de ainda ter uma gravadora hoje em dia: quando você tem o apoio de uma galera você fica mais forte. E pensa em voz alta sobre a relação entre quem aprecia e quem faz: hoje em dia não tem modelo. Ou melhor, existem vários, mas eles não se fixam – cria-se um modelo e logo ele se transforma. E disco novo? A impressão é que não vai haver um próximo disco pra fazer – pelo menos com essa idéia de disco, gravar tantas músicas, passar tanto tempo no estúdio. Talvez o esquema agora seja outro: daqui a pouco posso gravar duas músicas e lançar, depois a cada três meses mais duas, talvez no final juntar tudo em um disco. Será o novo modelo? Fica a dica.

Major labels should have capitalized on this years ago

“I’ve always marveled at every new generation of 15-year-old boys who go to the Doors vinyl section and say, ‘Wow, an original Doors LP!’ ” said Marc Weinstein, founder of Amoeba Music, the three-store chain whose Hollywood branch is among the largest independent retail record stores in the U.S. “Major labels should have capitalized on this years ago.”

Slowly they are, by pressing a growing list of vinyl catalog reissues and new albums by marquee artists such as U2. Nielsen SoundScan reported 1.88 million sales of new LPs last year, an 89% increase over 2007. And that figure is almost certainly conservative, as many independent retailers do not report their sales to SoundScan; the service says that more than two-thirds of vinyl albums are sold at indie operations.

*

Trecho dessa matéria do LA Times, juntando aspas e números pra dizer: vinil é o esquema.

(Foto do Jovem Guarda, na Moóca, daqui.)

estruturando o consumo

Almodóvar, falando como consumidor e produtor de arte, no El País, pelo Mais!.
(Foto do NYT.)

*

O ano de 2008 foi muito ruim para o cinema espanhol. Em 2009 estão previstas cifras melhores, graças à estreia de seu filme e os de Alejandro Amenábar, Isabel Coixet, Fernando Trueba etc.

A crise está afetando o cinema positivamente. As pessoas deixam de ir jantar fora, mas querem continuar saindo às ruas, e o cinema é um entretenimento acessível, bom para estes tempos.
Sobre a redução no número de espectadores, acho que a pirataria tem muito a ver com isso. Vivemos uma fase de mudanças muito grandes em tudo o que diz respeito ao consumo de imagens, e só existe uma saída: estruturar esse consumo.
Não acredito que o cinema visto nas salas de cinema esteja morto, assim como não acredito que os jornais estejam mortos. Não vou a um café para ler o jornal no meu computador, e, como eu, há muitas pessoas.
Existem muitas coisas paradoxais, como o fato de que vejo os filmes muito melhor em meu televisor de plasma do que numa sala de cinema.
Isso me dá calafrios, porque aquilo de que gosto é justamente ir ao cinema, me sentar com pessoas que não conheço.

Think Tank 3


No ar a terceira edição da roda de debates Think Tank. Funciona assim: juntamos em sofás lá na YB uma roda de cabeças pensantes para conversar sobre o que anda acontecendo com a música, os discos, a mídia e essa coisa toda. Então temos pitacos, pensatas, palpites e exercícios de futurismo por Carlos Eduardo Miranda, Pena Schmidt, Ronaldo Evangelista, André Bourgeois, Juliano Polimeno e Mauricio Tagliari. Desta vez, com o notório Alexandre Matias sentando com a gente para fazer suas notações, observações e participações.

*

Eugênio Vieira apareceu e levou seu olhar e registrou imagens massa, aqui e aqui.

Vídeos e comentários (que você também vê aqui) logo abaixo.

*

De cara, começamos com Pena já causando: os discos foram um acidente de percurso! Miranda completa, “só inverteu a ordem, antes o cara fazia disco pra poder fazer show, agora faz show pra poder fazer o disco”. E Matias nota que essa tal crise da música não é uma crise da música, é crise das gravadoras. A conclusão, Midani já sabia, é retomar o poder da mão dos tecnocratas.

No segundo bloco, Pena e Miranda explicam que o importante é o artista fazer sua música reverberar. Por exemplo quem se agiliza e cola no SXSW. Opa, mas SXSW? André discorda: o festival não é tão legal assim. Mas tudo bem, é um exemplo, o importante é se agilizar, tem que fazer o interesse acontecer.

Matias observa que em termos de shows, a cena em São Paulo é uma coisa recente. Portanto, os artistas de hoje ainda estão descobrindo sua audiência. Mauricio pergunta: tem futuro o artista que já não vende discos e não toca na rádio, e ainda faz show pra poucos? Mas Ju Polimeno conta suas estratégias secretas (discos sob medida?) e percebe: de cinco em cinco gatos pingados, as bandas formam seu público. Miranda já nota um problema de continuidade e Matias arroja: o cara que gosta de forró universitário pode gostar de Hurtmold.

Enquanto Ronaldo e Matias criticam as majors por fazerem frente à evolução natural da distribuição irrestrita, Mauricio faz ressalvas e Pena chama pênalti e faz importante contexto histórico, explicando que as lojinhas não estão fechando por causa do Pirate Bay, e sim por causa das próprias majors. A lógica tecnocrata das grandes gravadoras é revelada: artista bom é o que vende rápido e muito, arte dá trabalho.

Quando a coisa já parecia estar chegando ao fim, Mauricio coloca Ronaldo na parede e explica pra imprensa: é muito charmoso – mas irresponsável – traduzir free-livre como free-grátis.

Criatividade e lucros

André Midani, sempre inacreditavelmente inteligente e chique, como já o descreveu Caê, analisa o tiro no pé da indústria cultural e explica a única saída possível, no essencial livro Música, Ídolos e Poder:

Em geral, os líderes criativos de grande parte das indústrias criativas perderam poder a partir da década de 1980 e de 1990. E o perderam porque muitos viam o lucro como um componente vulgar, em que não queriam se imiscuir nem com que pretendiam aprender a lidar. E à medida que as empresas se tornavam muito maiores, os tecnocratas irromperam, sob a seguinte alegação: “Nós, os não-criativos, somos melhores para gerir indústrias criativas porque não nos consideramos aristocratas e temos capacidade e prazer em lidar com a parte suja dos negócios: o lucro.” E era essa a melodia que Wall Street queria escutar!

Os danos que os tecnocratas estão causando à indústria fonográfica, ao cinema, à TV, às publicações, à Broadway e às empresas de publicidade têm que ser confrontados pelos líderes criativos de amanhã, antes que seja tarde. Terão que inverter o lema “lucros e criatividade” para “criatividade e lucros”. No entanto, para alcançar esse objetivo, deverão aprender a entender, e até gostar, do mundo das finanças para se tornarem presidentes de suas organizações, descobrir o prazer de estudar os balanços financeiros das suas empresas, ler através dos números e compreender o que significam.

Richard Branson, os irmãos Weinstein, Ted Turner, Steve Jobs, Bill Gates, Larry Page, John Hegarty são alguns exemplos que podem servir de inspiração. Os líderes criativos vão ter que aprender a ser tão impiedosos quanto os tecnocratas, aprender o linguajar de Wall Street e convencer todo esse mundo de que somente a ciatividade genuína e o planejamento a longo prazo levam a uma lucratividade segura e duradoura. Vão ter o desafio e a responsabilidade de inverter os papéis e conseguir que os tecnocratas trabalhem para eles, em vez deles trabalharem para os tecnocratas.