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Melhores de 2011: Filipe Catto

Anna Calvi
Bárbara Eugênia – Journal de Bad (2010)
Ronaldo Bastos e Celso Fonseca – Liebe Paradiso
Maria Bethânia – caixas Maria e Bethânia
KD Lang – Sing It Loud
Mariana Aydar – Cavaleiro Selvagem Aqui Te Sigo
Pélico – Que Isso Fique Entre Nós
Patti Smith – Outside Society
Apanhador Só
Blubell – Eu Sou do Tempo em Que a Gente Se Telefonava
Elis Regina – Saudade do Brasil (1980)
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Em 2011 Filipe Catto lançou o álbum Fôlego.
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Mais melhores de 2011 por aqui.

Vítima de nada

Hoje, na Folha Ilustrada, texto meu sobre Filipe Catto e seu recém-lançado álbum de estreia, Fôlego, logo abaixo.

Aos 23, Filipe Catto estreia com intensidade de interpretação e sob inspiração de Elza

Quando entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum, Filipe Catto não quis cantar parado na frente do microfone, com fones no ouvido. Preferiu gravar na sala da técnica, com um microfone Shure SM58, típico de shows, vendo e ouvindo a banda dentro do estúdio e cantando e caminhando com movimentos livres, levando sua interpretação de palco para dentro do disco.

Não foi à tôa: com 23 anos e um registro vocal agudo – contratenor com timbre perfeito, próximo a uma voz feminina -, a intensidade de interpretação de Catto é sua maior qualidade. Chega ao disco de estreia, Fôlego, recém-lançado pela major Universal, já com música em novela (“Saga” toca em “Cordel Encantado”, trama das seis da Globo) e numerosos admiradores conquistados com a força de suas apresentações e um primeiro EP independente lançado em 2009.

Foi há pouco mais de ano que o cantor chegou de Porto Alegre para seu primeiro show por aqui, e por aqui ficou. “O disco surgiu a partir do palco, do público, a partir das minhas observações”, conta. “O que foi bacana nesse tempo desde que cheguei em São Paulo foi que pude absorver bastante coisa da minha geração. Na vivência e na experiência de poder cantar um repertório novo, de fazer parte de uma história que está rolando.”

Autor de oito das canções do disco, Catto pinça ainda composições de conterrâneos gaúchos como Nei Lisboa e as bandas Cachorro Grande e Apanhador Só, mas afirma que a seleção “não foi partidária”, e sim pela força das canções. Outras surpresas do repertório incluem uma antiga canção de Zé Ramalho e uma parceria de Arnaldo Antunes com o baixista Dadi, d’A Cor do Som – produtor de Fôlego ao lado do diretor artístico da gravadora, Paul Ralphes.

E “Garçon”, aquela, de Reginaldo Rossi. “Estava um dia em casa e do nada comecei a cantarolar essa música, como se ela tivesse baixado”, lembra. “E comecei a ver que ela era muito mais forte do que eu imaginava, passei a vê-la de uma forma diferente. A letra me remete a Maysa, Dolores Duran, uma coisa meio antiga. Na verdade ela é uma irmã gêmea de ‘Meu mundo caiu’.”

Maysa, grande referência. Elis Regina, ídolo máximo. Billie Holiday, inspiração para uma canção. Outra, dedicada a Amy Winehouse. Mas foi quando conheceu Elza Soares, diz Catto, que entendeu o verdadeiro sentido da palavra fôlego. “Ok, legal os nossos mortos trágicos, os que se foram e tiveram vida turbulenta. Mas ando admirando pessoas vivas, e que fazem música. Quero ser assim quando eu crescer.”

“Eu admiro muito a Elza Soares porque ela está viva”, diz. “Ela não é vítima de nada. Isso me alimenta como artista e como pessoa. Acho bonito que ela é destemida, tem uma força de viver, uma força de interpretação. É isso que eu busco no meu trabalho. Se jogar no mundo e fazer as coisas do jeito que elas são. Desencanar e bancar sua história.”

pop-eye

Pra não dizer que não existem notícias quentes, apanhado da temporada de manchetes, notícias, declarações, especulações, próximas, radar.

§ Depois do papo de Doce, novo sopro de nome do disco novo de Gal com Caetano: Segunda.

§ Falando na Gal, MauVal e Matias foram dois que não curtiram a capa da última Rolling Stone.

§ Falando no Caetano, ele vai cantar “Não existe amor em SP” no VMB com Criolo & Ganja.

§ Enquanto isso, David Byrne também curtiu o disco da Tulipa.

§ Marcus Preto foi ouvir umas novas do disco da Mallu.

§ O disco do Emicida gravado em NY sai logo mais.

§ Céu, em entrevista em turnê em Londres, disse que deve lançar algo novo no ano que vem.

§ Vazou o Tim Maia Racional 3 (lógico).

§ Teresa Cristina planeja disco novo só com canções de Candeia.

§ Vídeo da Dona Inah cantando no último disco de Romulo Fróes.

§ “Kamasutra“, parceria com Arnaldo Antunes, primeira música de Sexo, disco novo do Erasmo Carlos, 70 anos.

§ Nos próximos meses, o Studio SP abre filial no Rio de Janeiro e reabre seu espaço na Vila Madalena.

§ Eliana, grávida de João Marcelo Bôscoli: “Carrego um pedacinho da Elis”.

VitrolaMixtapes: Blubell

Você já viu a Blubell cantando? Tenho certeza que levou um susto quando viu aquela figura pequena e discreta com uma voz tão forte e segura. Mas o brilhantismo interpretativo não é a única coisa impressionante em Blubell: as músicas que escolhe cantar, as que escreve, os músicos com quem toca e as versões que criam são peças-chave na construção do seu universo. Não à tôa, talvez seu trabalho mais interessante seja com o quarteto À Deriva, de jazz de gente grande. O lado mais roqueiro também vai longe com suas músicas em série da MTV e banda com Pedro Baby. Toda essa mistura consciente de referências de bom gosto deixou curioso: quais as influêncas e paixões da Blubell? Pois aqui está, mixtape especial para nós, dez faixas escolhidas por ela, juntando de Anita O’Day e Caetano Veloso a’Os Mulheres Negras e Raveonettes, de Elvis e Elis a Marvelettes e Tim Maia. Aquele máximo de sofisticação jazzística, mas com pegada, groove, senso de humor e anarquia roqueira. Tipo ela.

Ficou assim:

01 Anita O’Day – Let’s Face the Music and Dance
02 Os Mulheres Negras – Feridas
03 The Marvelettes – Danger Heartbreak Dead Ahead
04 Madonna & Prince – Love Song
05 Ablo te Pablo Mi – Triste com astral
06 Caetano Veloso – A little more blue
07 Elvis Presley – Kiss Me Quick
08 The Raveonettes – Love in a Trashcan
09 Tim Maia – Sofre
10 Elis Regina – Cabaré

baixe AQUI

Teatro Bandeirantes, 1974

Mil novecentos e sessenta e oito, os programas musicais são o Faustão e Gugu de seu tempo. A TV Record tem o Teatro Record, a Tupi aluga o Cine Ritz, ambos na rua da Consolação. Bombam na audiência programas de auditório, especiais ao vivo, Jovem Guarda, Fino da Bossa. A TV Bandeirantes, inaugurada um ano antes, não quer ficar pra trás e compra o Cine Arlequim, na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, para acolher a música popular brasileira. Seis anos depois, 1974, quando naquele lugar o Teatro Bandeirantes é finalmente inaugurado, as coisas já não as mesmas. Os jovens artistas dos programas de TV já são superstars, a sigla-gênero MPB já virou commodity, todas as gravadoras, empresários, teatros, tevês já aprenderam a ganhar dinheiro e capitalizar tatuando os artistas no status quo.

Aí, seguindo de leve o modelo do mega-happening Phono 73, organizado 15 meses antes pela Phonogram (ex-Philips, futura Universal), a Bandeirantes organiza um supershow de inauguração de seu novo teatro, no dia 12 de agosto de 74, com apresentações de Rita Lee, Tim Maia, Elis Regina, Chico Buarque e Maria Bethânia, tudo na seqüência devidamente transformado em especial de TV. Exibido, arquivado e nunca lançado comercialmente – mas pirateado já em VHSs entre interessados, desde muito antes da internet.

Hoje o Teatro Bandeirantes virou igreja evangélica, os artistas ainda vivos viraram uns chatos e todas as redes de TV brasileiras se afogam na própria caretice.

Pelo menos temos o YouTube.

Todo setenta de calça marrom e jaqueta jeans, Chico convida as donzelas para um pecado safado debaixo do cobertor, em “Não existe pecado ao sul do Equador“. No fundo um sentimental, ele ameaça um “Cala a boca, Bárbara“, mas vai mesmo é de “Tira as mãos de mim“. Ou melhor, Maria Bethânia vai, surgindo no palco de surpresa e intensamente, pra cantar com voz de trovão sentimental.

Larger than life

Uns três ou quatro fins de semana atrás, fui pro Rio. Lá, encontrei não só Capitão Presença criador e criatura, como bebi com Arnaldo e Liv, fui na Soul Baby Soul, conheci a La Cucaracha. E a tarde de sábado passei em São Conrado, na casa de Luis Carlos Miéle. Encomenda da Trip, que chegou nas bancas agora com matéria minha, resultado do sensacional papo com Miéle.

Pleno fim de tarde de um sábado de sol e Luiz Carlos Miéle está impecavelmente vestido de smoking e gravata-borboleta, sapato brilhante, chapéu de palha na mão. É seu visual mais famoso, reminiscente de antigos musicais americanos, sutilmente adaptado à malandragem brasileira. Batendo levemente o pé no chão em movimentos elementares de sapateado, ele aguarda o sinal do fotógrafo avisando que vai bater nova chapa. De repente, na hora certa, entrega um sorriso exato e poses ensaiadas, com perfeita naturalidade. Miéle conhece os passos de dança do pop.

Pela sua casa no bairro carioca de São Conrado, nas paredes, em mesas, sobre estantes, há todo tipo de coisa: uma Marilyn de Andy Warhol, uma espada samurai, um espelho no qual está escrito “happy birthday” com batom (daqueles fakes, com o batom de plástico grudado no pé do Y), elefantes de porcelana, um gato persa chamado Garfield, cachorros, montes de fotos que parecem não ser olhadas há tempo, com Miéle ao lado de Liza Minnelli, Pelé e dezenas de pessoas com pinta de importantes. E o melhor de tudo: ao lado da piscina, no deck de madeira, uma estátua em tamanho real dele mesmo em pose bon-vivant.

Mementos de 70 anos e quatro meses de uma vida bem vivida; espetáculos, programas, noites, amigos, mulheres, drinques e histórias uma após a outra. Miéle é figura em extinção, daquelas essenciais para a existência da boemia, do bom humor, da cultura pop brasileira, da qual é espécie de sobrevivente. O que faz de Miéle, quase seis décadas de vida profissional, uma figura que vive até hoje no imaginário popular?

“Recentemente fui a um evento e encontrei vários amigos de outros tempos. Muitos sentadinhos, de bengala, a perigo. E vi dois ou três bandidos em plena forma! Então me convenci de que o pecado favorece a preservação da juventude.”

Ele está brincando, mas não muito: Miéle sempre foi um vigoroso adepto de uma boa dose de irresponsabilidade – ou pelo menos uma saudável anarquia. Há alguns anos, caiu da varanda de sua casa. Cinco metros de altura, hospital, pontos na cabeça, rótula fraturada. Lição aprendida? Uísque faz mal à rótula. Miéle achou o segredo do sucesso e a fonte da juventude: dar certo é importante, mas essencial é se divertir.

E ele se divertiu. Homem da noite, humorista, contador de histórias, diretor de espetáculos e de programas de TV e, até, cantor e ator. Reuniões? As melhores conversas aconteceram em madrugadas. Escritório? As melhores idéias vieram nas mesas do bar. Profissionais? Os melhores trabalhos foram feitos com amigos – que, não coincidentemente, eram os melhores profissionais disponíveis.

NA HORA CERTA
O talento de Miéle de viver o momento certo na hora certa, e melhorar o momento um pouquinho mais, começou em casa, filho que era de uma cantora e atriz da rádio Excelsior, em São Paulo. “Foi tudo meio acidental”, vaga ele pelas memórias. “Eu era péssimo aluno e minha mãe queria que eu fizesse algo. Um dia, ela me levou pra participar de um programa na rádio, porque o garoto que ia fazer o papel medrou. Eu tinha 11 pra 12 anos e era cara-de-pau, já era engraçado ou pretendia ser. Depois minha mãe foi contratada pela rádio Tupi e me levou junto e aí chegou a televisão.”

Naquele novo formato de linguagem que era a TV, foi fazendo de tudo: assistente, locutor, diretor. “Não havia escola, ninguém abriu um livro pra ler como é que faz. Ninguém aprendeu televisão no Brasil a não ser fazendo”, diz. Numa dessas, conheceu Ronaldo Bôscoli, figura-chave da bossa nova. “Eu trabalhava na TV Continental e o chamei pra primeira entrevista com o pessoal da bossa que houve na TV”, conta Miéle, orgulhoso. “Depois ele me chamou pra ajudar em um dos primeiros shows de bossa nova, a Noite do Amor, do Sorriso e da Flor. Mas eu não cheguei a tempo de dar a força, só fui lá e entrei no meio pra assistir.”

Entre um primo diretor de teatro que o viciou em cinema, uma prima jornalista que o viciou em jazz e o intensivo de bossa nova de Bôscoli, Miéle descobriu mais uma vocação: diretor de programas musicais na TV e de espetáculos na noite. Ele conta: “Um dia eu e o Ronaldo fomos parar no Beco das Garrafas, onde tocavam os principais músicos, pra dirigir o primeiro show da vida da gente, que era o Sergio Mendes”.

Do Beco, foram subindo as apostas e os ganhos acompanharam: em pouco tempo dirigiam espetáculos dos maiores pop stars brasileiros, de Roberto Carlos a Elis Regina e Wilson Simonal. Na televisão, criavam programas de arte, inspirados nos melhores filmes americanos. “O que eu via no cinema tentava aplicar na TV”, contextualiza. “Quando comecei a dirigir, tentei contar histórias com a câmera, e acho que consegui. Eu e o Bôscoli fizemos programas muito diferenciados pra época, muitas vezes ganhamos prêmios. Éramos considerados os garotos espertos com umas idéias novas. A gente se divertia muito.”

O PEIDADOR
Quando abriu, na década de 70, no Rio, uma casa noturna com Bôscoli, o nome sugerido por Nelson Motta foi alegre e empolgadamente aceito: Monsieur Pujol. Homenagem ao artista francês de fins do século 19 que, conta a lenda, fazia grandes performances no palco utilizando-se de seu principal instrumento: o fiofó. Sempre de calça com um furo nos fundi- lhos, expelindo gases que nasceram para o sucesso, Pujol interpretava músicas, fazia imitações, levava o público ao delírio.

Boa metáfora para a produção da dupla Miéle & Bôscoli: sempre havia quem achasse genial, sempre havia quem se sentisse ofendido, mas ninguém nunca duvidou da ousadia, criatividade e facilidade para atrair as atenções. Juntos, Miéle & Bôscoli vestiram Roberto Carlos de palhaço, fizeram Elis Regina sapatear, assustaram a tradição com programas de TV modernistas, colocaram em movimento alguns dos maiores músicos de seu tempo, ajudaram a inventar a noite brasileira e o formato dos grandes espetáculos musicais como os conhecemos hoje.

Mas, antes, tiveram que se virar nos 30: “Os primeiros shows no Beco das Garrafas, para 50 ou 60 pessoas, nós iluminávamos com lâmpada de 100 velas. Fazíamos um tubo de luz com uma cartolina e colocávamos o interruptor em uma caixa de sapatos. Se o artista se mexesse muito, a gente iluminava com uma lanterna. Em um show do Simonal com a Darlene Glória, eu coloquei uma cadeira de juiz de tênis num canto pra ela sentar em uma cena. Como a gente fazia espetáculo naquela época com prego e cartolina? Tinha que fazer”.

Como todo mundo sabe, o perrengue é o melhor amigo da criatividade. Quarenta anos depois, temos sound designers, light designers, roadies, técnicos de som vindos do Japão e toalhas brancas a granel. Miéle foi vivendo as mudanças: dos 50 lugares do Beco aos milhares nas grandes casas; de novatos a estrelas; do 78 rotações pro LP, do LP pro CD, à morte do CD.

“Um dia quis comprar um disco do Frank Sinatra e fui à Hi-Fi da rua Augusta, que era uma loja importante”, exemplifica com mais um causo. “Quando eu disse que queria ver uns discos do Sinatra, o vendedor fez uma cara de dó pra mim, como quem diz: ‘Coitado, ele ainda não sabe o que aconteceu’. Eu fiquei puto com o desdém do cara, ‘vai dizer que não existe mais disco do Frank Sinatra?’. E ele explicou: ‘Não, Miéle, é que não existe mais disco’. Saí de São Paulo pra fazer show numa sexta-feira, na segunda não tinha mais vinil. Impressionante a mudança das coisas, acho curioso passar por isso por causa da minha idade.”

Em algumas horas de papo, é o terceiro ou quarto comentário sobre idade. Então, depois de tanta história, insisto no assunto: O que o mantém aqui até hoje? “Gosto de lembrar de tudo que já fiz, mas faço questão de sempre falar sobre o que ainda vou fazer”, dá a letra. “Isso é rejuvenescedor, uma forma de não me entregar à idade. Quero saber o que vou fazer daqui pra frente.”

Entre planos de atuar mais (novos episódios da série Mandrake, em que ele fez parte do elenco, começam a ser filmados no ano que vem) e fazer mais shows (com Roberto Menescal e Wanda Sá, com Simoninha e participando do cruzeiro de Roberto Carlos), ele fala ainda em reinaugurar o Beco das Garrafas, criar novas séries na TV e organizar nova montagem da Sinfonia do Rio de Janeiro, de Tom Jobim e Billy Blanco.

Agora, tanto já feito e por fazer, do que mais se orgulha em tudo o que fez? “Provavelmente de não ter feito muitos inimigos”, sem hesitar. “A amizade parece um animal em extinção no mundo de hoje.”

E aí, enquanto educadamente põe jornalista e gravador pra fora, ainda comenta: “Pena que tenho jantar marcado para hoje à noite, senão abriríamos uma garrafa e continuaríamos o papo”. Naturalmente, estava apenas sendo educado. Mas, enquanto ainda penso em descobrir o segredo de tanto tempo fazendo coisas divertidas ao lado de gente legal, me pego pensando: pena mesmo.

1972 na música brasileira


Chico Buarque * Quando o carnaval chegar [dl aqui]
Ironias com o rock, arranjos de coreto, clima de carnaval de filme do Nelson Pereira dos Santos, canções rebuscadas e aquela delicadeza e melancolia que ganham a ala feminina: é o disco que inventa não só Marcelo Camelo, mas também toda a cena de samba universitário da Vila Madalena em São Paulo.


Caetano Veloso * Transa [dl aqui]
O disco favorito de todo fã do Caetano, o disco “mas esse é bom” de todo detrator do Caetano, o disco favorito do próprio Caetano e boa dose de inspiração pra atual “fase roqueira” dele. Gravado em Londres, com Caetano deprimido e inspirado e com a banda liderada por Jards Macalé tocando ao vivo no estúdio, criando camadas de sons, canções, emoções.


Elis Regina * Elis [dl aqui]
Elis Regina não era cantora de bossa nova nem de jazz, não era hippie nem tropicalista. Era tão idiossincraticamente pessoal que tiveram que inventar um rótulo o mais genérico possível – simplesmente “música popular brasileira” – pra dar conta de generalizar discos como esse. Muito por culpa de Cesar Camargo Mariano, recém-vindo da banda de Wilson Simonal.


Tom Zé * Tom Zé [dl aqui]
Foi ali, por volta de 1972, que Tom Zé teve que encarar de vez a dura realidade: ele não fazia parte da elite da música brasileira. Provavelmente não era nem tropicalista. Livre da responsabilidade e encarando sua própria genialidade, criou seu primeiro grande clássico – de uma série que ao mesmo tempo o jogou no esquecimento e o tirou de lá 20 anos depois.


Tim Maia * Tim Maia [dl aqui]
Tim Maia era movido a emoções fortes. E deve ter tido poucas mais fortes que a fossa e dor de corno que sentia quanto compôs e gravou esse disco, esbanjando conhecimento de causa em funksoul e transbordando despeito e desamor. Pelo menos em termos de à-flor-da-pele, o grande disco do recente biografado pela assinatura Nelson Motta.


Erasmo Carlos * Sonhos e Memórias [dl aqui]
Depois de ir gradativamente ampliando seus horizontes a cada disco desde fins dos anos 60, foi em 1972 que Erasmo assumiu que queria mesmo era ser hippie. Esqueceu aquele papo de jovem guarda, trocou de gravadora, casou e foi pro mato. Nessas, renasceu um grande compositor: agora a inspiração vinha em sambinhas, baladas folk, soul, desabafos e declarações.


Jards Macalé * Jards Macalé [dl aqui]
Animado como compositor pelo Vapor Barato da Gal e como bandleader pelo Transa do Caetano, em 1972 Jards respirou fundo e colocou tudo no seu primeiro disco: sua voz, seu violão, sua excentricidade, sua sensibilidade, a poesia de Waly Salomão e o som de Lanny Gordin e Tutty Moreno.


Gilberto Gil * Expresso 2222 [dl link]
Gil, eufórico de alegria de estar de volta ao Brasil depois de dois anos no exílio, faz um disco mais brasileiro que nunca – mas, sob a influência do primeiromundismo roqueiro britânico, também mais roqueiro do que nunca, com a pegada de Lanny e Tutty já virando assinatura.


Maria Bethânia * Drama – Anjo Exterminado [dl aqui]
Caminhando a passos largos em direção ao desbunde baiano sem limites da década de 70, mas ainda com a criatividade aguçada, Bethânia estava ligada nas coisas: chamou o irmão recém-chegado de Londres com aquelas idéias novas pra produzir um disco dela. Long story short, Drama está pra Bethânia como Transa pro Caetano.


Roberto Carlos * Roberto Carlos [dl aqui]
Em 1972 Roberto não precisava provar mais nada a ninguém. Já era há tempos o maior popstar do Brasil, já tinha sido justificado pela intelectualidade através do tropicalismo, já tinha superado tudo isso e entrado no olimpo popular com Detalhes. Então, fez a única coisa que lhe restava: inventou todo um estilo musical, hoje conhecido como “brega”.


Novos Baianos * Acabou Chorare [dl aqui]
Depois de uma estréia subtropicalista, os Novos Baianos tiveram um intensivão direto na fonte de todas as revoluções: João Gilberto, que apareceu na comunidade hippie deles, dividiu o banza e os ensinou a graça de Assis Valente. Some à epifania cool de Moraes, Baby e Paulinho o virtuosismo empírico dos jovens gênios Pepeu, Dadi e Jorginho e pronto: obra-prima.


Wanderlea * Maravilhosa [dl aqui]
Entediada com a música e com a persona em que a haviam metido nos anos 60 – música e persona que ajudaram a libertar em público o inconsciente de incontáveis adolescentes brasileiras, mas já pareciam a essa altura coisa da década passada -, em 1972 Wanderlea desbundou maravilhosa: de black power loiro na capa, cantava o feminismo, Hyldon, Gil e Jorge Mautner (com direito a trejeitos bicha e tudo).


Leno e Lilian * Leno e Lilian [dl aqui]
Dois discos, sucesso, Devolva-me & Pobre Menina e quatro anos de carreiras solo depois, Leno e Lilian reencontraram-se para reinventarem-se de jovemguardistas naif a roqueiros-folkeiros setentistas melancólicos e semibregas, sob a batuta do então produtor Raul Seixas. E não é que as vozes sacarinas em uníssono funcionam na nova roupagem e o disco se torna um clássico esquecido do folk-pop brasileiro?


Arthur Verocai * Arthur Verocai [dl aqui]
Garoto prodígio da turma dos festivais que vinha se transformando em um dos arranjadores de ouro de sua geração, em 1972 Verocai ganhou passe livre da gravadora Continental para fazer um disco todo só seu, do jeito que quisesse. Com a experiência de diretor musical de um Ivan Lins imitando Tim Maia em começo de carreira e sob a influência de suas amizades mineiras, pirou total: solos jazzísticos, pegada funk, letras hippie de tom contemplativo e o primeiro sintetizador usado em um disco brasileiro. Demorou só 30 anos para as pessoas entenderem.

Eu insisto procurando amor

De um especial de TV do começo dos anos 70, Elis canta com Dom Salvador e a Banda Abolição um dos maiores hits do cânone black nacional, “Uma Vida”. A Abolição de Salvador foi a primeira formação musical brasileira notória dentro da onda de orgulho negro – conceitual e musical – que pegava o mundo pelo colarinho nessa época. Então, saca a manha do Luis Carlos (que pela mesma época cantou no disco do Verocai e alguns anos depois fundou a Black Rio com Oberdan) tocando bateria e mandando um proto-rap no começo da música, repara bem nos cabelos, roupas, instrumentos e estilões e me diz se a Abolição ficava devendo qualquer coisa a Sly & the Family Stone, Isley Brothers, Watts 103rd Street Rhythm Band e afins.

uma vida
uma vida não é nada
se não tem nenhum amor

um sorriso não é um riso
um sorriso não é preciso
se não tem amor

uma casa é tão fria
apenas, apenas uma moradia
sem amor

eu persigo o meu destino
meu futuro inseguro
levando sempre, sempre a minha dor

não descanso, não, eu não desisto
eu insisto
eu insisto procurando amor

alegria, alegria
é manhã de um novo dia

vou andar onde o amor levar
vou descobrir a vida
vou construir meu lar
eu vou sair de mim
eu quero me encontrar
sei que vou ser feliz
meu dia chegará

alegria, alegria
é manhã de um novo dia