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João Gilberto disco-a-disco

Onze álbuns gravados em estúdio e metade disso ao vivo – cinco e meio. Menos de 17 discos de registro do som que tanto impacto causa na música há 50 anos: a voz e violão de João Gilberto. Mais de cinco décadas depois, o assombro e a influência que a arte de João Gilberto ainda inspira são os mesmos de quando lançou “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em 1959. João Gilberto já sabia tudo: constantemente reinventando e evoluindo suas canções e interpretações, toda sua obra é lida como a evolução de uma sonoridade única, elaboradamente simples e infinitamente sofisticada. Logo abaixo (originalmente para o Uol em 2011, nos 80 anos de João), sua discografia comentada, do primeiro disco, lançado em 1959, até o mais recente, de 2004.


“Chega de Saudade” (1959)

Depois de participar do disco “Canção do Amor Demais” (de Elizeth Cardoso) e lançar dois 78 rotações em 1958, João Gilberto chegou à modernidade dos LPs ajudando a inventá-la. A voz íntima do ouvido, o som de violão absolutamente claro, a abordagem ao mesmo tempo casual e lapidada: eram muitos elementos novos que somavam àquele núcleo de criação exemplar. Além da remodernização de antigos sambas da década de 40 – um Dorival Caymmi, um Marino Pinto, dois Ary Barrosos -, contribui muito com o sabor de novidade a presença do produtor Tom Jobim, com três canções, seus pianos discretos e seus arranjos cheios de pequenos detalhes nas cordas e sopros, como contracantos de João.

Grande momento: “Morena boca de ouro”, releitura de um sucesso de 1941 de Ary Barroso, na voz de Silvio Caldas, aqui com o piano de Tom Jobim e a economia do arranjo impressionantes até hoje.


“O Amor, o Sorriso e a Flor” (1960)

O segundo LP de João Gilberto já começava ousado na capa, em preto-e-branco solarizado, criada por Cesar Villela, que em breve faria as famosas capas da gravadora Elenco. Gravado pouco mais de seis meses depois do primeiro disco, e novamente com direção musical de Tom Jobim, o álbum trazia no repertório seis novas canções do produtor, mais um Caymmi e um antigo sucesso nunca gravado do tempo de conjuntos vocais: “O Pato”.

Grande momento: Abrindo com vocalises que reinventam as harmonias da versão original do conjunto vocal Anjos do Inferno, de 1945, “Doralice”, de Caymmi, ganha versão definitiva com João Gilberto, em nada além de um minuto e 29 segundos. De acompanhamento, além de seu violão e leve percussão, a modernidade do piano delicado e cristalino de Tom Jobim e breves comentários da flauta no contraponto.


“João Gilberto” (1961)

No mesmo fôlego, um ano depois foi gravado o terceiro LP, homônimo, de João Gilberto. Em algumas faixas, acompanhado do conjunto do pianista Walter Wanderley, todo o resto novamente com Tom. Além de três novas do produtor, o repertório continua lembrando antigos sambas dos anos 40, desta vez com dois Caymmis, um Geraldo Pereira e um Bide/Marçal.

Grande momento: “A primeira vez”, samba de Bide e Marçal cantado por Orlando Silva em 1939, surge em versão quase invertida: o volume do original é traduzido em arranjo quase solo de voz-e-violão, apenas com o piano ocasional de Tom.


“Getz/Gilberto” (1964)

E então, o mundo descobriu. Gravado em Nova York ao lado do saxofonista estadunidense Stan Getz (e com Tom ao piano), o álbum foi lançado pela gravadora de jazz Verve e se tornou famoso em todo o planeta, ganhando cinco prêmios Grammy. Cantada pela mulher de João, Astrud, “Girl from Ipanema” saiu em single (sem a voz de João) e vendeu mais de um milhão de cópias – a canção se tornou uma das mais regravadas da história.

Grande momento: O máximo de sublime de João em disco se revela em sua interpretação de “Pra machucar meu coração”, do então recém-falecido Ary Barroso, que João muito admirava e havia acabado de conhecer. Perfeição no piano de Tom, sax de Getz, baixo e bateria de Tião Neto e Milton Banana, e João, no seu mais suave e musical.


“Getz/Gilberto II” (1964)

O primeiro disco ao vivo (ou meio) de João, gravado no Carnegie Hall em outubro de 1964, lado B de um LP com Stan Getz do outro. Na versão em CD, cinco faixas bônus trazem João e Getz juntos, com Astrud.

Grande momento: Apesar de não manter a aura de magia do encontro em estúdio, “Você e eu” ao vivo é mais um interessante encontro do violão ritmado do João com o sax jazzístico de Getz e a voz vaporosa de Astrud.


“En Mexico” (1970)

Gravado durante temporada de João Gilberto no México, como já fica claro no título, o álbum só foi gravado seis anos depois do último, e desta vez com arranjos de Oscar Castro Neves. Entre as novidades do repertório, três boleros, dois Jobins, duas autorais sem letra e uma composição de seu amigo João Donato gravada dois anos antes por Sergio Mendes: “The Frog”.

Grande momento: João canta tão próximo do microfone que sua respiração funde-se com sua voz com inigualável efeito de intimidade com o ouvinte em “Astronauta” (também conhecida como “Samba da pergunta”), só com seu violão, piano pontuando e etéreas cordas ao fundo.


“João Gilberto” (1973)

O auge do minimalismo zen de João, gravado novamente em Nova York. Desta vez acompanhado apenas do percussionista Sonny Carr e, em uma faixa, da voz de sua então nova esposa, Miúcha. Além de um Jobim, três faixas sem letra e mais alguns sambas antigos, a grande novidade são canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Grande momento: É irresistível acompanhar as harmonias vocais que João cria em contracanto com Miúcha em “Isaura”, sua versão do samba de 1945 de Francisco Alves. João, virtuose dos detalhes.


“Best of Two Worlds” (1976)

Com repertório baseado no chamado “álbum branco”, de três anos antes, traz novo encontro com Stan Getz, mais de dez anos depois do “Getz/Gilberto” original. Duas faixas são cantadas solo por Miúcha e uma novidade do repertório é “Retrato em Branco e Preto”, parceria do irmão da noiva, Chico Buarque, com Tom Jobim.

Grande momento: Cantada com serenidade e emoção por João, “Ligia” é uma novidade de Tom Jobim até hoje: João canta a primeira versão da letra, diferente da que depois ficou mais conhecida, com retoques de Chico Buarque. Getz aparece com dois solos dobrados, sobrepostos com melodias diferentes.

(Bônus momento: “É preciso perdoar“.)


“Amoroso” (1977)

Trazendo composições em inglês, italiano e espanhol e arranjos de orquestra do alemão Claus Ogerman – que havia cuidado da orquestra nos discos solo de Tom Jobim -, “Amoroso” foi desde seu lançamento recebido como momento de gala para João e é até hoje um de seus álbuns mais conceituados entre jazzistas.

Grande momento: Não é nem preciso entender a letra em italiano de “Estate” para ficar tocado com sua sensibilidade. Lendo-se, então, o “verão que criou nosso amor” e agora é um “legado de dor”, emocionante.


“João Gilberto Prado Pereira de Oliveira” (1980)

Segundo disco ao vivo de João, de um especial de TV da Rede Globo com plateia, orquestra e participações de sua filha Bebel Gilberto (então com 14 anos) e Rita Lee. Johnny Alf e Lamartine Babo são surpresas do repertório.

Grande momento: Antiga marchinha de 1939 de Lamartine Babo, cantada por Mário Reis em dueto com Mariah, “Jou Jou Balangandãs” vira pura bossa com a voz da tropicalista Rita Lee, interpretações em pura doçura.


“Brasil” (1981)

Gravado com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia: o violão de João, comentários dramáticos nas cordas e percussões e as quatro vozes se fundindo – Bethânia canta suave como nunca antes ou depois. Quase um disco conceitual sobre a Bahia, com versões de Caymmi, Ary Barroso e, novidade, Os Tincoãs.

Grande momento: Versão do standard americano “All of me” pelo letrista Haroldo Barbosa, “Disse alguém” é uma pérola, com João fazendo uma adaptação jazzística da sua batida ao violão, pequenas alterações na melodia e toda uma nova cor nas imagens em português.


“Ao Vivo em Montreux” (1986)

Terceiro disco ao vivo e um dos melhores momentos de João no palco, foi gravado – todo de voz e violão – no famoso festival de jazz suíço em 1985 e lançado em LP duplo, depois CD simples com duas músicas a menos.

Grande momento: O antigo sucesso de 1948 de Haroldo Barbosa na voz d’Os Cariocas, “Adeus América”, ganha todo um novo contexto na voz mântrica de João Gilberto, que tanto tempo morou nos Estados Unidos e havia retornado ao Brasil há pouco.


“João” (1991)

Com arranjos de cordas do americano Clare Fischer sobre a base de violão e voz de João, o disco não atinge os mesmos níveis de Amoroso, mas tem ótimo repertório, com Noel Rosa, Cole Porter, bolero, chanson.

Grande momento: João parece ter total controle sobre como fazer o tempo parar, andar para frente ou para trás em seus ritmos de violão e andamentos vocais. Em “Eu sambo mesmo”, de Janet de Almeida, cantada pelos Anjos do Inferno em 1946, o sublime é atingido já nos primeiros segundos.


“Eu Sei Que Vou Te Amar” (1994)

O quarto disco ao vivo de João e o mais sem graça, com mixagem imperfeita, edição brusca e repertório sem surpresas. “Você não sabe amar” é boa novidade.

Grande momento: “Lá vem a baiana”, de Caymmi, sempre perfeito na voz de João.


“Live at Umbria Jazz Fest” (1996/2002)

Quinto disco ao vivo de João, gravado na Itália em 1996 e lançado em CD em 2002. Mais atualizações de canções de todas as fases da carreira de João.

Grande momento: “Isto aqui o que é?”, de Ary Barroso, tão conhecida e sempre tão nova com João.


“Voz e Violão” (1999)

Produzido por Caetano Veloso, foi o último de estúdio gravado por João e o único inteiramente só de voz e violão. O repertório recupera sambas antigos de Bororó, Herivelto Martins, uma raridade de Tom Jobim, dois Caetanos e novas lapidações de “Chega de saudade” e “Desafinado”, cada vez mais sintéticas.

Grande momento: Dessa vez João Gilberto não foi tão longe, apenas 1980, para encontrar uma maravilha. “Você vai ver” foi lançada no álbum Terra Brasilis, de Tom Jobim, como uma elegante canção de fim de amor, aqui transformada em pura candura.


“In Tokyo” (2004)

País que cultua João Gilberto talvez até mais que o Brasil e recebe visitas frequentes para turnês, o Japão rendeu o mais recente disco ao vivo de João, sexto de sua carreira. Gravado em 2004, João tinha então 73 anos e faz ótima performance, tranquila e depurada.

Grande momento: Aracy de Almeida cantava “Louco” de Wilson Batista em 1946, e desde os anos 50 João a traz em seu repertório, apesar de nunca tê-la gravada em estúdio. Canta ao vivo a história do louco que chora e anda pelas ruas, transformando-se até num vagabundo.

Melhores de 2011: Mariana Aydar

Gui Amabis – Memórias Luso/Africanas
Thais Gulin – ôÔÔôôÔôÔ
Chico Buarque – Chico
Pedro Santos – Krishnanda (1968)
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Em 2011 Mariana Aydar lançou Cavaleiro Selvagem Aqui Te Sigo.
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Mais melhores de 2011 por aqui.

Destaques em 2011

Em clima de retrospectiva deste 2011 que acaba, o pessoal do UOL selecionou dez listas de discos que foram destaque pelo ano. Ao lado de Fernanda Mena, Jotabê Medeiros, Lúcio Ribeiro, Fernando Kaida, Cláudia Assef, Antonio Farinacci, Sergio Martins, Mariana Tramontina e Pablo Miyazawa, escolhi dez álbuns que pintaram muito bem em 2011 e escrevi breve comentário de apresentação sobre, em especial, o de Criolo.

Em olhada rápida logo abaixo e todo o resto por aqui.

“Nó na Orelha” Criolo

Uma química especial aconteceu quando Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral começaram a produzir o álbum “Nó na Orelha”, do rapper Criolo. Com representativa história construída no hip-hop, foi uma surpresa sua revelação como compositor de canções e talento bruto como cantor. Entre arranjos de sopros e cordas, som de banda com piano-baixo-bateria e participações de músicos como Thiago França, Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, o disco passeia por bolero, dub, soul, afrobeat, samba – e, claro, rap. As letras fortes, cheias de cenas da cidade e dialetos suburbanos, incorporam o discurso do hip-hop – com intepretação intensa, mas amorosa -, em faixas com identidades próprias, em algum lugar entre Sabotage e Adoniran, Wu-Tang e Fela. Caetano Veloso percebeu e quis cantar junto, Chico Buarque atentou e homenageou no show, a MTV deu o prêmio de disco do ano, jornais, revistas, blogs e redes sociais gastaram o assunto. Lançado em LP, CD e de graça na internet, resultando em série de apresentações lotadas e provando fazer jus ao título, “Nó na Orelha” foi o álbum de música brasileira que mais chamou a atenção em 2011.

Bruno Natal e os Bastidores de Chico

Bruno Natal, do essencial blog URBe e de filmes como o documentário Dub Echoes e making ofs de discos de Vanessa da Mata, Maria Bethânia e Chico Buarque, recentemente realizou o projeto Bastidores, mostrando em pílulas, teasers e clipes os fazeres do último disco de Chico, Chico.

O conteúdo, inicialmente exclusivo para pré-compradores do CD, está agora aberto para todo mundo no site do projeto e também já pronto pra ser visto o documentário Dia Voa, de uma hora, mostrando o álbum por dentro, play acima.

Aproveitando o timing e a curiosidade, fiz algumas perguntas a Bruno sobre o processo de registro do processo de criação de canções e arranjos de um disco de Chico, logo abaixo.
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Como foi o processo, você acompanhou as sessões de ensaio/gravação no estúdio/casa do Luiz Claudio Ramos? Pra onde direcionava o olhar, o que você caçava com a câmera? Algo foi restrito?

Acompanhei apenas o último dia dos ensaios na casa do Luiz, a filmagem foi feita praticamente toda durante as gravações do disco. Não fazia sentido simplesmente repetir o que havia feito no disco anterior, “Carioca”, em 2006, quando registrei as gravações para o documentário “Desconstrução”, que acompanhou o disco em DVD. Muita coisa mudou de lá pra cá, possibilidades que antes não existiam. A rede se tornou mais social, a qualidade das conexões melhorou. Pode se dizer que para um lançamento desse porte é uma obrigação estar presente no meio digital. Nada foi restringido. Como da outra vez, pude filmar o que quisesse e simplesmente apresentei o material pronto – e nenhuma modificação foi solicitada.

Para os teasers e clipes, foi quanto tempo de filmagem/gravação, com que equipe de captação? Para um trabalho desses hoje é preciso juntar pessoal ou o esquema é abordagem intimista, só uma câmera 5D e um microfone Zoom?

As filmagens duraram dois meses, aproximadamente, o mesmo tempo da gravação do disco. Desse material foram extraídas as mais de 50 pílulas de vídeo publicadas no chicobastidores.com.br durante o pré-lançamento e também o documentário “Dia Voa”. A equipe de vídeo foi enxuta. Era eu no estúdio todos os dias, o Tiago Lins fotografando as entrevistas e o Daniel Ferro editando e finalizando. Teve também toda parte do saite, feita pela Arterial.

Não utilizo 5D, para parte pesada do trabalho prefiro a Panasonic AG 150. Nessa DSLR os controles de áudio são limitados e menos confiáveis (ao menos sem outras traquitanas) e a pegada é de uma câmera de fotografar, não de filmar. Além disso, parece que absolutamente tudo é filmado nesse formato hoje em dia, está rolando uma pasteurização, todo clipe, vídeo,curta, tem a mesma cara. Utilizei uma T2i para as entrevistas.

Como você sentiu a recepção do projeto de ir liberando músicas pros early adopters? O investimento pessoal dos fãs nos artistas, corrente em lançamentos de bandas como Radiohead, já se tornou comum e funcional ao fã de música brasileira como Chico?

Foi uma aposta. Considerando que a página do Chico no Facebook tem mais de 450 mil pessoas, imaginava que daria certo sim. E deu. Tanto foi que o disco iria sair com 25 mil cópias, saiu com 50 mil e já foram encomendadas outras 20 mil. Mesmo os fãs que não compraram na pré-venda para ter acesso ao conteúdo exclusivo e prioritário aos vídeos assistiram os vídeos que estavam abertos e foram se familiarizando como disco. Fora que “Chico” passou um mês inteiro na mídia, todo dia, nunca tinha visto isso. Repercutiu muito.

Qual foi a coisa mais legal que você não sabia e descobriu sobre Chico nesse processo?

Que ele saca muito do espírito colaborativo da rede, mesmo sem utilizar tanto. A rede apenas replica nosso comportamento social, as vezes em outra escala, portanto coisas que ele queria que funcionasse de determinada maneira simplesmente porque achava que assim seria melhor, de fato tinham a ver com a mídia.

E qual a música do Chico mais tocada no(s) seu(s) player(s)?

De todos os tempos? “Construção”.
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Falando sobre Chico Buarque no Metrópolis

Sexta passada fiz uma aparição ao vivo no programa Metrópolis, convidado a dar meus dois centavos de opinião sobre Chico, disco novo do Buarque. Eu e Cadão conversamos sobre vontade de novidade, novas rimas para o mundo, colocação de vida pessoal na arte, o antagonismo milenar de Chico e Caetano e comentamos os comentários de Marcus Preto, que disse algo do efeito de “Chico Buarque fazer disco ruim é bom para a nova geração, que faz discos ótimos”. Mas, ao invés de falarmos de Tulipa, proponho essa: Chico não carrega algumas coincidências com Toque Dela, recente álbum de Marcelo Camelo? Essa e outras ideias, oito minutos de papo, play acima.

Faixa a faixa: Chico 2011

Para a Folha Ilustrada de hoje, capa sobre disco novo de Chico Buarque, escrevi breve descrição/comentário faixa a faixa de Chico, álbum aproximadamente décimo-nono do compositor e cantor. Teasers de internet, a perda da inocência sobre comentários de internet, disco de literatura, canções melancólias – entre tudo que vi comentado por aí, o menos alardeado me parece o principal: é um disco de amor. Mais: disco de novo amor. Tipo festa sem fim.

Querido diário
Toada levada por viola caipira e arranjo de cordas e com o já inesquecível verso sobre “amar uma mulher sem orifício”. Outro: “não quebro porque sou macio”.

Rubato
Chico no Círculo de confiança, zona de conforto, parceria com o contrabaixista Jorge Helder. Letra sobre canção de amor roubada para Aurora, Amora e Teodora e arranjo com grande naipe de sopros.

Essa pequena
“Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora”, canta Chico. Ele, conta “cada segunda que se esvai”. Ela, “esbanja suas horas ao vento”. Canção de amor que conclui: “o blues já valeu a pena”.

Tipo um baião
O eu-lírico já questiona: outra história de amor a essa hora? Mas, afinal, “você tipo me adora”. Então, para quem “ignora o baião”, canta esse “tipo um baião do Gonzaga”.

Se eu soubesse
Em dueto com a suposta jovem namorada de cabelos cor de abóbora Thais Gulin, a valsa-choro “Se eu soubesse” foi gravada também por ela em seu recente disco “Ôôôôôôôô”.

Sem você 2
De mesmo título de canção de Tom com Vinicius do fim dos anos 50, é levada sem bateria e com andamento lento. Chico classicista da canção, mais próximo do velho Tom do que do jovem Chico.

Sou eu
Parceria com Ivan Lins, cantada por Chico e o baterista e sambista Wilson das Neves, também já gravada por Diogo Nogueira. A letra, sobre mulher que bamboleia no salão.

Nina
Valsa “meio russa”, segundo o autor, com as rimas mapa/rapta e toca/vodca. Com a nova personagem, título, para o rol do compositor. A primeira música composta para o álbum depois da temporada como escritor.

Barafunda
Sambinha fazendo crônicas da memória, “antes que o esquecimento baixe seu manto”. Glorinha ou Maristela? Soraia ou Anabela? Seja como for, a conclusão: “a vida é bela”.

Sinhá
Parceria com João Bosco, que participa com seu balanço de violão e contracanto. É o “conto de um cantor com voz do Pelourinho” que chora em iorubá mas ora por Jesus.

Zé Miguel Wisnik – Indivisível

Oito anos depois de seu último disco, Pérolas aos Poucos, de 2003, Zé Miguel Wisnik está lançando álbum novo, duplo, Indivisível, capas acima de Elaine Ramos, brincando visualmente com as iniciais Z, M e W. Ouça ambos imediatamente no Bandcamp do ZMW, por aqui.

Produzido por Alê Siqueira, com parcerias com Marcelo Jeneci (“Feito pra acabar”, que deu título a seu disco), Alice Ruiz, Jorge Mautner, Chico Buarque e Guinga, além de poemas musicados de Antonio Cícero e Gregório de Matos, os discos são levados um por piano outro por violão. No de piano, exceto por uma com Jeneci ao instrumento, Wisnik é quem toca em todas. O de violão é levado pelo toque de Arthur Nestrovski.

No disco novo de Gal Costa, todo composto por Caetano Veloso, uma das duas únicas músicas não-inéditas foi justamente interpretada antes por Wisnik, em 2005, na trilha do espetáculo Onqotô, do Grupo Corpo, feita por Caetano e Zé Miguel. “Madredeus“, a canção que cantava e que foi regravada por Gal, entrou no novo dela justamente por sugestão de Zé Miguel a Caetano.

Wisnik agora também faz a direção musical do próximo espetáculo do Grupo Corpo, que estreia mês que vem no Teatro Alfa.
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Chico, 2011

Com o tempo a voz de Chico Buarque ganhou um gosto de tempo, um certo gasto que pode ser lido como fragilidade, mas é mais uma força de aproximar-se da naturalidade de experiência de vida de seus personagens. Em todo um ar de deboche francês, também apurado parece o senso de humor. Claro, timidez etc. Mas não vá dizer que não tem um gosto pelo sarro em todo Chico. Sem a malícia os olhos verdes não seriam os mesmos.

Sua feitura de letras segue uma transição de buscas por achados poéticos virtuosisticamente simples para um gosto mais de crônica musicada, em busca da fluência casual – daí o gosto por valsas e blues, que o compositor diz serem elementos presentes em seu novo disco, chamado puramente Chico, em existência física a partir de 22 de julho, pela gravadora Biscoito Fino.

Justamente neste domingo Chico completou 67 anos, feliz aniversário, e se vejo comumente seu som recente – leia-se Carioca, 2006 – ser chamado de careta (muito pelas características típicas de há tanto tempo, elementos como bateria ultramicrofonada, solo de sax, teclados, baixo de cinco cordas), a questão é mais que Chico segue um exercício de compilar composições recentes a cada número de anos e gravá-las e lançá-las, o que é mais do que se pode dizer de muitos e é suficiente por si só. E especialmente para um artista com frequente público interessado, como o é Chico.

Mil pessoas, até às 19h, segundo a assessoria da Biscoito Fino, ouviram nessa segunda a primeira música do que antes se chamava “de trabalho”, o primeiro single ou, no caso, o primeiro mp3, “Querido Diário”, em esquema de pré-compra do álbum e senha para o áudio da primeira faixa, exclusiva. A intimidade com a internet segue até o lançamento do CD no mundo real, com vídeos (feitos pelo carioca Bruno Natal) de momentos dos bastidores da gravação, com projeto e site chamados, bem, Bastidores. Pra seguir diariamente, por aqui.

§A foto é do URBe.
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Uma música do novo Chico é “Se eu soubesse”, dueto também recentemente no disco de Thaís Gulin.

organizando o movimento

Parece bem massa esse documentário sobre a final do III Festival da Record, o de “Alegria, Alegria”, “Domingo no Parque”, “Roda Viva”, “Ponteio”, o violão quebrado de Sérgio Ricardo, Roberto Carlos cantando samba, Caetano com os Beat Boys, Gil com os Mutantes. Partindo de um projeto de documentar toda a era dos festivais, o filme é Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, sobre momento de criação e cristalização de idéias ricas e clichês do que conhecemos hoje como música brasileira e de todo nosso comportamento cultural. A premiére é na abertura do É Tudo Verdade, na sexta, depois passa sábado e quinta que vem, entra em cartaz daqui uns meses.

Boca cheia de formiga

Falando no Mug, pode a simpática foto acima do Chico Buarque com seu amigo Mug ser causa de imbroglio em um livro sobre Simonal?

Pode:

Uma foto que gera muito problema entre os editores é uma imagem de Chico Buarque segurando o boneco MUG na mão. Assim como Simonal, Chico fez propagando do tal boneco que, dizia-se, dava sorte. Era na verdade o mascote de uma grife de roupas da MPB em sua empreitada combativa contra as roupas da Jovem Guarda. A grife da MPB acabou não sendo lançada mas da Jovem Guarda virou alvo dos criticos da ditadura identificados com o samba e a resistencia. As roupas da Jovem Guarda, jaqueta do Tremendão, a roupa da Ternurinha, etc., essas sempre lembradas pro aqueles que acusam o movimento de Roberto Carlos e cia de “mercadológico”. Chico também fez propaganda, assim como vários artistas da MPB pois também estava envolvido na defesa da “musica brasileira” frente a “alienação importada” da Jovem Guarda.

Diz Gustavo Alonso Ferreira, do livro Quem Não Tem Swing Morre Com a Boca Cheia de Formiga, de um mestrado sobre o Simonal, programado e eternamente adiado pela editora Record. A foto acima, e outras de Chico em propagandas de banco, sandália e máquina de costura, foram vetadas no caderno de fotos da biografia.

Gustavo explica:

O argumento da editora para tal autocensura (desculpe mas não há outro nome) é que o compositor não permitiria sua publicação e se o fizéssemos mesmo assim isso poderia acarretar um processo. Mas estas imagens são fotos já publicadas em revistas e jornais, ou seja, já foram publicadas alguma vez. São, enfim, documentos historicos, fontes abertas a todos. Em tese só precisariamos da liberação do fotografo, o que não é dificil de conseguir. Mas o medo do processo inviabiliza,na pratica, qualquer publicação porque entende que o sujeito que aparece na foto tem que autoriza-la! Imagina se formos pedir autorização ao Lula por toda foto que ele aparece? Imagina fazer isso em época de foto digital e internet? Seria melhor, caso o Chico Buarque realmente se importasse de fato muito com sua memoria, que ele acusasse o uso do Photoshop para deturpá-lo, ou de um simples “Paintbrush” para desgastá-lo… o que não foi o caso, obviamente, mas em tempos de virtualidade e simulacros, tudo pode vir a convercer. Ou quase tudo.

Mais dano colateral da indigna censura de Roberto Carlos à biografia de Paulo César de Araújo, em 2007.