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João Gilberto disco-a-disco

Onze álbuns gravados em estúdio e metade disso ao vivo – cinco e meio. Menos de 17 discos de registro do som que tanto impacto causa na música há 50 anos: a voz e violão de João Gilberto. Mais de cinco décadas depois, o assombro e a influência que a arte de João Gilberto ainda inspira são os mesmos de quando lançou “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em 1959. João Gilberto já sabia tudo: constantemente reinventando e evoluindo suas canções e interpretações, toda sua obra é lida como a evolução de uma sonoridade única, elaboradamente simples e infinitamente sofisticada. Logo abaixo (originalmente para o Uol em 2011, nos 80 anos de João), sua discografia comentada, do primeiro disco, lançado em 1959, até o mais recente, de 2004.


“Chega de Saudade” (1959)

Depois de participar do disco “Canção do Amor Demais” (de Elizeth Cardoso) e lançar dois 78 rotações em 1958, João Gilberto chegou à modernidade dos LPs ajudando a inventá-la. A voz íntima do ouvido, o som de violão absolutamente claro, a abordagem ao mesmo tempo casual e lapidada: eram muitos elementos novos que somavam àquele núcleo de criação exemplar. Além da remodernização de antigos sambas da década de 40 – um Dorival Caymmi, um Marino Pinto, dois Ary Barrosos -, contribui muito com o sabor de novidade a presença do produtor Tom Jobim, com três canções, seus pianos discretos e seus arranjos cheios de pequenos detalhes nas cordas e sopros, como contracantos de João.

Grande momento: “Morena boca de ouro”, releitura de um sucesso de 1941 de Ary Barroso, na voz de Silvio Caldas, aqui com o piano de Tom Jobim e a economia do arranjo impressionantes até hoje.


“O Amor, o Sorriso e a Flor” (1960)

O segundo LP de João Gilberto já começava ousado na capa, em preto-e-branco solarizado, criada por Cesar Villela, que em breve faria as famosas capas da gravadora Elenco. Gravado pouco mais de seis meses depois do primeiro disco, e novamente com direção musical de Tom Jobim, o álbum trazia no repertório seis novas canções do produtor, mais um Caymmi e um antigo sucesso nunca gravado do tempo de conjuntos vocais: “O Pato”.

Grande momento: Abrindo com vocalises que reinventam as harmonias da versão original do conjunto vocal Anjos do Inferno, de 1945, “Doralice”, de Caymmi, ganha versão definitiva com João Gilberto, em nada além de um minuto e 29 segundos. De acompanhamento, além de seu violão e leve percussão, a modernidade do piano delicado e cristalino de Tom Jobim e breves comentários da flauta no contraponto.


“João Gilberto” (1961)

No mesmo fôlego, um ano depois foi gravado o terceiro LP, homônimo, de João Gilberto. Em algumas faixas, acompanhado do conjunto do pianista Walter Wanderley, todo o resto novamente com Tom. Além de três novas do produtor, o repertório continua lembrando antigos sambas dos anos 40, desta vez com dois Caymmis, um Geraldo Pereira e um Bide/Marçal.

Grande momento: “A primeira vez”, samba de Bide e Marçal cantado por Orlando Silva em 1939, surge em versão quase invertida: o volume do original é traduzido em arranjo quase solo de voz-e-violão, apenas com o piano ocasional de Tom.


“Getz/Gilberto” (1964)

E então, o mundo descobriu. Gravado em Nova York ao lado do saxofonista estadunidense Stan Getz (e com Tom ao piano), o álbum foi lançado pela gravadora de jazz Verve e se tornou famoso em todo o planeta, ganhando cinco prêmios Grammy. Cantada pela mulher de João, Astrud, “Girl from Ipanema” saiu em single (sem a voz de João) e vendeu mais de um milhão de cópias – a canção se tornou uma das mais regravadas da história.

Grande momento: O máximo de sublime de João em disco se revela em sua interpretação de “Pra machucar meu coração”, do então recém-falecido Ary Barroso, que João muito admirava e havia acabado de conhecer. Perfeição no piano de Tom, sax de Getz, baixo e bateria de Tião Neto e Milton Banana, e João, no seu mais suave e musical.


“Getz/Gilberto II” (1964)

O primeiro disco ao vivo (ou meio) de João, gravado no Carnegie Hall em outubro de 1964, lado B de um LP com Stan Getz do outro. Na versão em CD, cinco faixas bônus trazem João e Getz juntos, com Astrud.

Grande momento: Apesar de não manter a aura de magia do encontro em estúdio, “Você e eu” ao vivo é mais um interessante encontro do violão ritmado do João com o sax jazzístico de Getz e a voz vaporosa de Astrud.


“En Mexico” (1970)

Gravado durante temporada de João Gilberto no México, como já fica claro no título, o álbum só foi gravado seis anos depois do último, e desta vez com arranjos de Oscar Castro Neves. Entre as novidades do repertório, três boleros, dois Jobins, duas autorais sem letra e uma composição de seu amigo João Donato gravada dois anos antes por Sergio Mendes: “The Frog”.

Grande momento: João canta tão próximo do microfone que sua respiração funde-se com sua voz com inigualável efeito de intimidade com o ouvinte em “Astronauta” (também conhecida como “Samba da pergunta”), só com seu violão, piano pontuando e etéreas cordas ao fundo.


“João Gilberto” (1973)

O auge do minimalismo zen de João, gravado novamente em Nova York. Desta vez acompanhado apenas do percussionista Sonny Carr e, em uma faixa, da voz de sua então nova esposa, Miúcha. Além de um Jobim, três faixas sem letra e mais alguns sambas antigos, a grande novidade são canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Grande momento: É irresistível acompanhar as harmonias vocais que João cria em contracanto com Miúcha em “Isaura”, sua versão do samba de 1945 de Francisco Alves. João, virtuose dos detalhes.


“Best of Two Worlds” (1976)

Com repertório baseado no chamado “álbum branco”, de três anos antes, traz novo encontro com Stan Getz, mais de dez anos depois do “Getz/Gilberto” original. Duas faixas são cantadas solo por Miúcha e uma novidade do repertório é “Retrato em Branco e Preto”, parceria do irmão da noiva, Chico Buarque, com Tom Jobim.

Grande momento: Cantada com serenidade e emoção por João, “Ligia” é uma novidade de Tom Jobim até hoje: João canta a primeira versão da letra, diferente da que depois ficou mais conhecida, com retoques de Chico Buarque. Getz aparece com dois solos dobrados, sobrepostos com melodias diferentes.

(Bônus momento: “É preciso perdoar“.)


“Amoroso” (1977)

Trazendo composições em inglês, italiano e espanhol e arranjos de orquestra do alemão Claus Ogerman – que havia cuidado da orquestra nos discos solo de Tom Jobim -, “Amoroso” foi desde seu lançamento recebido como momento de gala para João e é até hoje um de seus álbuns mais conceituados entre jazzistas.

Grande momento: Não é nem preciso entender a letra em italiano de “Estate” para ficar tocado com sua sensibilidade. Lendo-se, então, o “verão que criou nosso amor” e agora é um “legado de dor”, emocionante.


“João Gilberto Prado Pereira de Oliveira” (1980)

Segundo disco ao vivo de João, de um especial de TV da Rede Globo com plateia, orquestra e participações de sua filha Bebel Gilberto (então com 14 anos) e Rita Lee. Johnny Alf e Lamartine Babo são surpresas do repertório.

Grande momento: Antiga marchinha de 1939 de Lamartine Babo, cantada por Mário Reis em dueto com Mariah, “Jou Jou Balangandãs” vira pura bossa com a voz da tropicalista Rita Lee, interpretações em pura doçura.


“Brasil” (1981)

Gravado com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia: o violão de João, comentários dramáticos nas cordas e percussões e as quatro vozes se fundindo – Bethânia canta suave como nunca antes ou depois. Quase um disco conceitual sobre a Bahia, com versões de Caymmi, Ary Barroso e, novidade, Os Tincoãs.

Grande momento: Versão do standard americano “All of me” pelo letrista Haroldo Barbosa, “Disse alguém” é uma pérola, com João fazendo uma adaptação jazzística da sua batida ao violão, pequenas alterações na melodia e toda uma nova cor nas imagens em português.


“Ao Vivo em Montreux” (1986)

Terceiro disco ao vivo e um dos melhores momentos de João no palco, foi gravado – todo de voz e violão – no famoso festival de jazz suíço em 1985 e lançado em LP duplo, depois CD simples com duas músicas a menos.

Grande momento: O antigo sucesso de 1948 de Haroldo Barbosa na voz d’Os Cariocas, “Adeus América”, ganha todo um novo contexto na voz mântrica de João Gilberto, que tanto tempo morou nos Estados Unidos e havia retornado ao Brasil há pouco.


“João” (1991)

Com arranjos de cordas do americano Clare Fischer sobre a base de violão e voz de João, o disco não atinge os mesmos níveis de Amoroso, mas tem ótimo repertório, com Noel Rosa, Cole Porter, bolero, chanson.

Grande momento: João parece ter total controle sobre como fazer o tempo parar, andar para frente ou para trás em seus ritmos de violão e andamentos vocais. Em “Eu sambo mesmo”, de Janet de Almeida, cantada pelos Anjos do Inferno em 1946, o sublime é atingido já nos primeiros segundos.


“Eu Sei Que Vou Te Amar” (1994)

O quarto disco ao vivo de João e o mais sem graça, com mixagem imperfeita, edição brusca e repertório sem surpresas. “Você não sabe amar” é boa novidade.

Grande momento: “Lá vem a baiana”, de Caymmi, sempre perfeito na voz de João.


“Live at Umbria Jazz Fest” (1996/2002)

Quinto disco ao vivo de João, gravado na Itália em 1996 e lançado em CD em 2002. Mais atualizações de canções de todas as fases da carreira de João.

Grande momento: “Isto aqui o que é?”, de Ary Barroso, tão conhecida e sempre tão nova com João.


“Voz e Violão” (1999)

Produzido por Caetano Veloso, foi o último de estúdio gravado por João e o único inteiramente só de voz e violão. O repertório recupera sambas antigos de Bororó, Herivelto Martins, uma raridade de Tom Jobim, dois Caetanos e novas lapidações de “Chega de saudade” e “Desafinado”, cada vez mais sintéticas.

Grande momento: Dessa vez João Gilberto não foi tão longe, apenas 1980, para encontrar uma maravilha. “Você vai ver” foi lançada no álbum Terra Brasilis, de Tom Jobim, como uma elegante canção de fim de amor, aqui transformada em pura candura.


“In Tokyo” (2004)

País que cultua João Gilberto talvez até mais que o Brasil e recebe visitas frequentes para turnês, o Japão rendeu o mais recente disco ao vivo de João, sexto de sua carreira. Gravado em 2004, João tinha então 73 anos e faz ótima performance, tranquila e depurada.

Grande momento: Aracy de Almeida cantava “Louco” de Wilson Batista em 1946, e desde os anos 50 João a traz em seu repertório, apesar de nunca tê-la gravada em estúdio. Canta ao vivo a história do louco que chora e anda pelas ruas, transformando-se até num vagabundo.

pop-eye

Breves notas, aspas, olhares, recortes e futurações de por aí.

*Esphera, o disco novo de Arnaldo Baptista: produzido por Fernando Catatau. Imagem via. No play, a primeira faixa divulgada do álbum, “I don’t care“, Arnaldo tocando todos os instrumentos.

*Falando em Arnaldo, há pouco pintou no eBay o raro compacto de 1966 do O’Seis, conjunto pré-Mutantes dele com Rita e Sérgio. Vendido como “Cálice Sagrado dos discos brasileiros”, fechou o leilão online a 4.150 dólares.

*No próximo disco de Tom Zé, com patrocínio da Natura, quem participa é Emicida.

*E o segundo álbum de Tulipa já está quase lá. No blog do Natura Musical (que também patrocina o disco), ela comenta: “Acho que vai ser uma consequência do Efêmera, como se fosse a continuação de um livro“.

*Lucas Santtana passa o mês na Europa e promete atualizações em vídeo em tempo real.

*Céu e Curumin também passam o mês tocando na Europa. (E se encontram com Lucas em uma data no Koko em Londres, La Linea, 19 de abril.)


*Falando na Céu, vem aí Caravana Sereia Bloom em vinil.


*E falando no Curumin, já ouviu “Selvage“, faixa 2 do a sair logo menos álbum Arrocha, seu terceiro? O som perturba a tua carne, te movimenta.

*Miguel Atwood-Ferguson, violista californiano, está finalizando seu primeiro álbum solo (que sai pela Brainfeeder do Flying Lotus) e comentou no Rio Fanzine suas experiências brasileiras: “Eu era um adolescente quando enlouqueci ao ouvir pela primeira vez Villa-Lobos e Tom Jobim. Foi quando descobri a música brasileira. Aprendi muito trabalhando com Arthur Verocai, um músico fenomenal, e foi fantástico também trabalhar com Seu Jorge e Marisa Monte. Foi como abrir portas da minha percepção musical.

*Marcelo Cabral, contrabaixista do MarginalS, Sambanzo etc e coprodutor dos discos de Lurdez e Criolo, fala disso tudo e mais sua história com skate no Tapetes Sírios. Sobre as canções de Criolo e a “tendência” atual do rap em incorporar música cantada, conta: “Não foi uma coisa pensada. O Criolo canta o dia inteiro , se você conviver 1 pouco com ele, verá. Cada 1 é de 1 jeito, não da pra alguém começar a cantar de 1 dia pro outro. Ele já tinha essas canções a algum tempo, não foi invenção de produtor ou alguma sacada, só selecionamos o que achamos de melhor nele. Sou 100% a favor em investir, estudar e se aprimorar a cada dia, mas isso não quer dizer 1 MC começar a cantar, a não ser que ele realmente queira isso de coração e isso faça parte dele, senão fica falso, ou também então o inverso também seria uma evolução, tipo cantor querer virar MC, não rola.

*Falando nele, Criolo foi decapitado no Rio e em junho volta lá pra cantarDe frente para o crime” com João Bosco, Theatro Municipal, Prêmio da Música Brasileira.


*Com direção de Toddy Ivon e participações de Hyldon, Catra, e, bem, Tico Santa Cruz, “Chama os mulekes” (que beat!) é o vídeo novo (um curta, na real) do grupo de rap carioca Cone Crew Diretoria. Mais de um milhão de views em menos de uma semana, repare.

*O novo do D2 está pronto.

*Marcelo Camelo fala da recente mudança de volta pro Rio de Janeiro, dos shows dos Los Hermanos que acontecem a partir do próximo dia 20, de compor com a Mallu e do começo de seu disco novo em conversa rápida com Lorena Calábria, no blog novo dela, aqui. Ela ainda pergunta se ele se incomoda com o clima de “karaokê coletivo” que acontece em suas apresentações. Ele: “Tenho dúvida pessoal sobre essa relação. Por um lado, a platéia cantando é um terceiro elemento, vai somando. Não chega a atrapalhar. E penso que é proibido proibir as pessoas de se emocionar. Jamais vou fazer esse papel. Minhas músicas são assobiáveis, cantaroláveis. Isso desde os primórdios do Los Hermanos, nos shows do Empório. Por isso, aceito tudo que vier.

*Já Rick Bonadio, um dos produtores (sem assinar) do primeiro disco dos Hermanos, dá na Playboy sua opinião sobre a banda: “Eles são muito talentosos, só que sempre foram garotos com dinheiro, eles nunca precisaram de dinheiro, ninguém ali precisou fazer sucesso para viver. Quando o cara não precisa de dinheiro, é muito fácil o cara se achar, sabe? Se eles precisassem de dinheiro, estavam tocando “Anna Julia” até hoje, essa é a verdade, vamos falar português claro. (…) Muito lá atrás, na época que eles fizeram um disco que era chato, insuportável, lembra? Um disco que não vendeu, foi um fracasso, logo depois de “Anna Julia”. Eu falei: “Vocês são loucos, querem afundar com a carreira de vocês?”. Mas são uns plaboyzinhos da Barra da Tijuca, então…Aqui.

*PAS lista um glossário de músicos ou figuras relevantes que integram os quadros de diretores das associações filiadas ao ECAD, de Danilo Caymmi (Abramus) a Sandra de Sá (UBC).

*”Esse som arranhado é normal?”, pergunta uma senhora a Caetano durante o show de Gal no Rio, incomodada com as programações de Kassin. “É música eletrônica moderna. E cala a boca que eu quero ver o show!”, ele tenta interromper a interrupção. Paula Lavigne, claro, filmou, dá pra ver aqui.


*O jornal Estado de Minas encontrou em Nova Friburgo Tonho e Cacau, os dois garotos que ilustram a capa do álbum Clube da Esquina, de Lô Borges e Milton Nascimento. Cafi, hoje 61 anos, que fez a foto original, conta do momento em 1972: “A gente ficava andando com o Fusquinha do Ronaldo Bastos pelas estradas, tirando foto de nuvens, porque a gente ia criar a nossa empresa, Nuvem Cigana. Uma das nuvens, inclusive, está no encarte do Clube da Esquina”. Ao ver os meninos, decidiu fazer o registro: “Foi como um raio”, lembra Cafi. “ É uma imagem forte. A cara do Brasil. E foi na época em que vários artistas estavam exilados fora daqui. E tinha essa coisa da amizade presente também. O Milton adorou a foto e ela acabou indo para a capa.”

E Tonho, hoje com 47 anos, vendo pela primeira vez o LP: “Oh, sou eu e o Cacau. Como é que vocês conseguiram isso? Quem tirou essa foto? Eu me lembro desse dia. (…) Alguém do carro me gritou e eu sorri. Estava comendo um pedaço de pão que alguém tinha me dado, porque eu estava morrendo de fome, e para variar descalço. Até hoje não gosto muito de usar sapato. Mas nunca soube que estava na capa de um disco. A minha mãe vai ficar até emocionada. A gente nunca teve foto de quando era menino”, disse Tonho, que nunca ouviu falar em Milton Nascimento, tampouco em Clube da Esquina. “É aquele moço que foi ministro?”, indagou.

A história toda e mais fotos por aqui.


*Nina Becker postou a foto acima no Feice. ❤ Também está pra nascer, também com Marcelo Callado, Gambito Budapeste.

Tita Lima fala sobre o Jardim Elétrico dos Mutantes

Dentro de uma série chamada DNA Musical, no site do Oi Novo Som, artistas comentam discos que foram importantes para sua formação. Há algumas semanas, em especial do dia dos pais, Tita Lima comentou o quarto disco dos Mutantes, já com seu pai, Liminha, integrado à formação como baixista, logo abaixo.

Já que vocês pediram para escolher um disco dos Mutantes com o meu pai, não tenho dúvidas: Jardim Elétrico. Escolho o quarto disco da banda, de 1971, por uma questão afetiva. Quando eu era criança adorava o desenho da capa. Tinha medo e atração pelo monstro, tinha aquela imagem decorada e talvez até conseguisse redesenhar a arte com os olhos fechados. Eu ficava ouvindo “Portugal de Navio”, rindo da voz esquisita do meu pai.

Era tão pequena que não entendia o duplo sentido das letras. Para mim, escutar Saltimbancos e Mutantes era divertido. Vou trepar na escada significava: “Vou trepar na escada!”. Vou te mandar para Portugal de Navio era isso mesmo, eu imaginava meu pai mandando minha mãe viajar em navios antigos.

Eu achava que a Rita era uma fada madrinha/bruxa, mas das boas e que ela sempre iria me proteger quando eu ficasse no escuro. Pra mim, a Rita não era 100% humana, mas uma fada que transitava entre os humanos disfarçada e só eu sabia o segredo dela. Ela piscava pra mim quando me via e fazia carinho na minha orelha, eu achava que aquilo era um código. rsrsrsr!

As músicas mais valiosas para mim, além de “Portugal de Navio”, são “Lady Lady” porque eu acreditava que esta música havia sido feita para minha avó que se chamava Layde. Eu não sabia inglês! E “El Justiceiro” formava um personagem na minha cabeça, ele era lindo e forte, quase um herói, e era parecido com Walmor Chagas! rsrsrs.

Na verdade todas as músicas eram importantes para mim, faziam parte de um contexto, um filme. Não dava para pular uma faixa, eu não sabia mexer em vitrola e chegar perto de agulha era bronca na certa! Além de criar meus personagens para esse disco, eu o conhecia de cabo a rabo, sabia cada solo, cada voz …cada virada de bateria.

Marcia Castro + Mariana Aydar + Mayra Andrade + Mariella Santiago

Comentei do show de Marcia Castro recebendo Mariana Aydar, Mayra Andrade e Mariella Santiago no Conexão Vivo em Salvador e, olha só, a íntegra está online, para baixar aqui, tirado deste blog. O áudio está dando alguns paus eventuais, como se gravado em CD-r tosco, mas o som compensa. O show é parte do projeto Pipoca Moderna, de Marcia Castro, em que ela viaja para alguns shows pelo país com outras novas cantoras como convidadas.

A abertura do show foi em clima de dominação, com versão a quatro vozes de “Os mais doces bárbaros”, que você ouve no play acima. Na gravação da apresentação, entrou só no final, quando repetiram no bis. A banda estava formada por Gui Kastrup na bateria, Magno Vitor no baixo, Ricardo Prado no violão, teclado e acordeão e Rovilson Pascoal na guitarra e direção musical e o setlist foi assim:

01) Marcia Castro – De pés no chão (Rita Lee)
02) Mariella Santiago – Danado na cor
03) Mariana Aydar e Mariella Santiago – Aqui Em Casa (Duani e Mariana Aydar)
04) Mariana Aydar – Solitude (Mariana Aydar e Luisa Maita)
05) Marcia Castro e Mayra Andrade – Menina mulher da pele preta (Jorge Benjor)
06) Mayra Andrade solo
07) Mayra Andrade e Mariana Aydar – Tunuka
08) Marcia Castro e Mariana Aydar – Frevo (Pecadinho) (Tom Zé)
09) Marcia Castro e Mariella Santiago – Eu Sou Negão (Gerônimo)
10) Marcia, Mariana, Mariella e Mayra – O canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)
11) Marcia, Mariana, Mariella e Mayra – Nha Damaxa
12) Marcia, Mariana, Mariella e Mayra – Gererê (É o Tchan) / Preta Pretinha (Moraes Moreira e Galvão)
13) Marcia, Mariana, Mariella e Mayra – Os mais doces bárbaros (Caetano Veloso)

Red Hot + Rio 2: tropicalismo intercontinental

Quinze anos atrás, em 1996, a coletânea Red Hot + Rio fez um tributo moderno à música brasileira com gringos descolados como Stereolab, Everything But the Girl, Mad Professor, George Michael e Sting interpretando bossa nova. Agora, dia 28 de junho próximo, sai um segundo volume, desta vez com um olhar mais tropicalista da coisa. Se a bossa nova é um tranquilo estado de espírito, a tropicália é uma linguagem pós-moderna, natural para norteamericanos, caboverdeanos, europeus, brasileiros.

Em um CD duplo, com mais de meia centena de artistas colaborando em faixas majoritariamente inéditas, o Red Hot + Rio 2 tem Tom Zé encontrando Javelin para interpretar sua “Ogodô”, Marisa Monte se juntando a Devendra e Amarante pra um Caetano anos 80, Mayra Andrade cantando com Trio Mocotó, Phenomenal Handclap Band refazendo Milton com Marcos Valle, Madlib entortando Joyce, Vanessa da Mata cantando com o Almaz de Seu Jorge, Of Montreal reinterpretando o clássico “Bat Macumba” dos Mutantes com a versão século XXI dos próprios, Apollo Nove, Céu e N.A.S.A. mandando um Caetano em inglês, mais Orquestra Contemporânea de Olinda com Emicida, Money Mark com Thalma de Freitas, Beirut, DJ Dolores, Rita Lee, Curumin, Aloe Blacc, Marina Gasolina, Carlinhos Brown e um monte de gente.

Quem produz é Béco Dranoff (do selo europeu Ziriguiboom), que também produziu a primeira edição – ambas beneficentes, em combate à AIDS. A lista completa de músicas do CD você vê por aqui e logo abaixo um gostinho, com a californiana Mia Doi Todd colocando sotaque charmoso e abordagem indie na letra em português e no groove do afro-samba “Canto de Iemanjá”, de Baden e Vinicius:

Hoje é um dia especial na sua vida

Ou pelo menos todos deveriam ser.

Se você está precisando de ajuda pra viver momentos bonitos e se divertir até cansar, tá fácil.

Hoje, sete da noite, Galeria Olido, vai rolar a conclusão do projeto Conexões, com todos nós humildemente reapresentando os melhores momentos do mês: Tatá Aeroplano, Karina Buhr, Leo Cavalcanti e Tulipa Ruiz voltam à vitrine da avenida São João para cantar, respectivamente, Roberto&Erasmo, Rita Lee, Gil&Caetano e Gal.

Última chance de ver mágica acontecendo, Tatá se entregando à emoção de cantar Roberto e ainda mostrando relações entre seus sons e o de Erasmo; Tulipa parando o tempo pra arrepiar os ouvintes, cantando Dê um rolê como se não houvesse amanhã; Karina pescando na memória histórias e canções, somando e subvertendo o senso de humor de Rita Lee com seu próprio; Leo cantando Lamento sertanejo com aquele arranjo, naquele lugar, com aquele clima e aquele encontro de pessoas. Não existe época de ouro, a vida é de ouro.

Fazendo tudo acontecer, a Banda dos Contentes, com Mauricio Fleury, Pedro Falcão e Demétrius Carvalho, hoje com Régis Damasceno e Gui Held aparecendo pro goodbye.

Depois, comemorando o fim de mês, os shows, a amizade, a vida, o amor e a falta e vergonha de ser hippie, VENENO especial música brasileira, de graça e gudiváibe, anti-hype e carão-free no Astronete.

Só chegar e ser feliz.

tudo isso é muito

Falando em Rita e Gal, e “Me Recuso”? Sensacional composição da Rita com Luiz Carlini e Lee Marcucci (do Tutti-Frutti), que a Gal gravou maravilhosamente mellow groove em 1977, no Caras e Bocas. Dez anos depois, no auge da popice, a própria Rita gravou, em versão extra-80s.

*

me recuso a ficar só
antes mal acompanhada
pelo menos eu tenho com quem brigar
ou talvez alguém pra amar

afinal
tudo é relativo aos bons costumes do lugar
tudo é relativo aos bons costumes do lugar

só, só, só, só
me recuso a ficar

eu só sei que a gente nunca
a gente nunca deve dizer nunca
já pensou como seria chato
já pensou como seria chato

cha cha cha chato
tudo isso é muito

morar sozinha num palácio
eu prefiro uma casa de sapé
um homem, uma mulher
se bem que a grana ainda ajuda
mas um dia a sorte muda

afinal
a inocência não dura a vida inteira
brinque de ser sério e leve a sério a brincadeira

só, só, só, só
me recuso a ficar

dá licença que eu vou sair do sério

Quando eu era criança pequena lá em Salvador, eu tinha uma melhor amiga. Ela só falava cantando. Rita Lee o nome dela. Uma vez ela brigou com o namorado e fez uma música bem bonita. O namorado era “Uauê” (irmão do Cauê e da Zabelê lembra?). Ela fez escândalo e até greve de fome, mas depois pediu desculpas cantando: “desculpe Uauê, eu não queria magoar você”. O apelido de Uauê era Rocambole e até hoje eles se beijam e se engolem, fazendo assim.

Rita é a mais paulistas das paulistas, todo mundo fala e deve ser, mas nessa época eu nem sabia que São Paulo existia, assim, do jeito que São Paulo é. Pra mim São Paulo era uma cidade bem longe e nem desconfiava que minha amiga era de lá. É engraçado isso do lugar onde as pessoas nascem. Isso tem toda importância e importância nenhuma.

Karina conta do seu reino Rita Lee, aqui, e a canta, hoje na Olido.

(Vídeo da Nina.)