Ensaios meio biográficos, pensatas climáticas, mitificações em exercícios de estilo, retratos textuais, meio fora de foco mas poéticos, compõem Todo Aquele Jazz, livro escrito há coisa de 20 anos e recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras. O autor, Geoff Dyer, está no Brasil para a Flip e há pouco conversou com Daniel Benevides para matéria na Folha Ilustrada, que saiu acompanhada de crítica minha do livro, logo abaixo no pré-edit.
Entre ficção e ensaio, autor busca o jazz mais real que o real
Thelonious Monk entrou em um pequeno motel em Delaware, pausa na viagem de carro que fazia a caminho de um show, para pedir um copo d’água. A visão daquele negro enorme e excêntrico, com sua fala enrolada e idiossincrática, assustou o atendente, que acabou por chamar a polícia, que acabou por prender Monk.
História clássica do racismo dos anos 50 cobrando seu preço em músicos de jazz. Mas havia outra coisa: Monk deu uma fungada no exato momento em que entrou no motel. O atendente, que usava a mesma cueca há três dias, ficou incomodado e na defensiva.
O caso, que aconteceu em 1958, é real e notório. Exceto, é claro, a parte da cueca do atendente. Aliás, nem havia atendente no motel – um dos motivos do imbroglio foi Monk ter entrado direto na cozinha do local ao não encontrar balconista na recepção.
Chet Baker aparece observado pela amante no pós-coito, pensamentos misturados entre suas características como amante e como músico. Já Bud Powell é interlocutor de uma espécie de diálogo, na verdade monólogo, como que direcionado a ele. Lester Young, Charles Mingues, Duke Ellington também tem suas aparições.
Lançado originalmente em 1991 e carregado de aspectos atemporais, “Todo Aquele Jazz”, de Geoff Dyer, é ensaio ficcional levemente biográfico, ficção ensaística baseada em história documentada, análise musical construída sobre metáforas, cenas de climas poéticos mais reais que o real, floreios imaginativos sem se deixar intimidar pela realidade.
“Baseei-me mais em fotografias do que em fontes escritas”, diz o autor, citando Milt Hinton e William Claxton como inspirações.
Mergulho no imaginário do jazz como força maxima de expressão afroamericana, tratando momentos e histórias como músicas ou retratos, gravados e congelados no tempo, expostos a nossas interpretações contemporâneas. Algo como um “O Perseguidor” se feito por ensaísta inglês ao invés de ficcionista latino.
(Dyer não é nenhum Cortázar.)