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Roy Ayers relembra Tom Jobim e Fela Kuti

Você já ouviu incontáveis músicas com o som de Roy Ayers. Se não só das lançadas por ele ou dos vários discos que produziu, provavelmente também qualquer uma das centenas de faixas que usam samples de suas músicas. Vibrafonista de jazz, líder da banda dançante Ubiquity, em quase 50 anos de carreira até hoje moderno, o californiano Roy Ayers, 72, veio ao Brasil março passado para apresentação no Sesc Belenzinho, e conversei com ele para matéria na Folha, abaixo na pré-edição levemente maior.

Quando começou a tocar, seu ídolo no vibrafone era Lionel Hampton?

Quando eu tinha 5 anos em Los Angeles, eu vi Lionel Hampton se apresentar, ele deixava a banda no palco, descia do palco e fazia todo mundo cantar com ele. Eu estava cantando com minha mãe e meu pai e ele me deu suas baquetas de vibrafones. Minha mãe disse que ele deixou vibração espirituais em mim. Lionel Hampton foi minha grande influência. Tenho muito respeito por ele. Ele foi muito influente para todos os jazzistas que vieram depois dele. Todo mundo que virou alguém na música, fale quem quiser, Miles Davis, Quincy Jones, Ella Fitzgerald, Dinah Washington, todos passaram pela banda de Lionel Hampton.

Você também ouvia R&B na juventude?

Pouca gente sabe disso, mas eu também cantava em um grupo de R&B chamado The Poets – antes dos Last Poets surgirem. Isso é quando eu tinha 15 anos, estava no colégio, antes do meu primeiro vibrafone. Eu sempre quis um, mas eles eram caros. Ganhei meu primeiro vibrafone aos 17 anos. Todas as formas de música que toquei sempre foram uma experiência bonita pra mim.

Você se lembra de gravar com Tom Jobim, em 1965?

Ah sim, foi incrível. Eu era jovem, lembro de pensar, “uau, estou numa sala com alguns grandes músicos”. Sergio Mendes também estava lá, foi levar o Jobim. Era o álbum “Jack Wilson Plays Brazilian Mancini” e tínhamos o convidado especial “Tony Brazil” no violão – você sabe quem é, certo? Antonio Carlos Jobim! Ele não podia usar seu nome por causa de um contrato com outra gravadora. Gravamos grandes canções de Mancini, como “Days of wines and roses”, “Breakfast at Tiffany’s”. Lembro do Sergio Mendes lá – ele não tocou, foi levar o Jobim. Eu era jovem, pensei, “uau, estou numa sala com alguns grandes músicos”. Você vê o talento do Jack Wilson, de juntar as pessoas certas. E conseguir lançar o disco por um selo pequeno, Vault. Gravamos no começo da noite, algo como seis ou sete da noite em Los Angeles, tocamos por cerca de oito horas. Todos tocaram tão bem, foi tudo em um ou dois takes no máximo. Jack Wilson era meu mentor, me ensinou a respirar enquanto solo. Ele dizia, “Roy, respire, você tem que respirar, tem que fazer… [Faz som de inspiração e expiração.] Não tente dizer tudo em uma frase.”

Como foi gravar com Fela Kuti em 1979?

Eu amava Fela, Fela era incrível. Meu Deus, seu estilo era tão único. Um grande músico, um grande dançarino, um grande político. Ele organizou um partido chamado MOP – Movimento das Pessoas. Fiquei quase um mês inteiro na Nigéria com ele e sua banda Africa 70 e foi realmente incrível. Também toquei com ele e sua banda no Apollo, em Nova York, no Harlem. Gostei muito de tocar com ele, era um dos meus músicos favoritos de todos os tempos. Fico muito triste com sua morte porque ele era uma grande mente para a música. O Afrobeat, seu conceito original, me impressionava muito, seu estilo de tocar piano e dançar com as mulheres – ele tinha 27 esposas, era uma entidade única. Nunca encontrei ninguém tão incrível quanto ele, tão incrivelmente talentoso, um artista incrível, que nunca será esquecido.

Você ouve as músicas que usam samples de seu trabalho?

Gosto muito. Fui muito sampleado, especialmente por muitos rappers. Tenho mais hits baseados em minhas músicas do que qualquer um. Creio que James Brown foi mais sampleado que eu, mas tenho mais hits com meus samples. Artistas como 50 Cent, Mary J. Blige, Erykah Badu, muita gente, mais de 50 grupos me samplearam. Me sinto bem a respeito disso. Nunca fui atrás de ninguém para samplear minha música, as pessoas é que gostaram tanto da minha música que quiseram sampleá-la, isso faz eu me sentir apreciado.

João Gilberto disco-a-disco

Onze álbuns gravados em estúdio e metade disso ao vivo – cinco e meio. Menos de 17 discos de registro do som que tanto impacto causa na música há 50 anos: a voz e violão de João Gilberto. Mais de cinco décadas depois, o assombro e a influência que a arte de João Gilberto ainda inspira são os mesmos de quando lançou “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em 1959. João Gilberto já sabia tudo: constantemente reinventando e evoluindo suas canções e interpretações, toda sua obra é lida como a evolução de uma sonoridade única, elaboradamente simples e infinitamente sofisticada. Logo abaixo (originalmente para o Uol em 2011, nos 80 anos de João), sua discografia comentada, do primeiro disco, lançado em 1959, até o mais recente, de 2004.


“Chega de Saudade” (1959)

Depois de participar do disco “Canção do Amor Demais” (de Elizeth Cardoso) e lançar dois 78 rotações em 1958, João Gilberto chegou à modernidade dos LPs ajudando a inventá-la. A voz íntima do ouvido, o som de violão absolutamente claro, a abordagem ao mesmo tempo casual e lapidada: eram muitos elementos novos que somavam àquele núcleo de criação exemplar. Além da remodernização de antigos sambas da década de 40 – um Dorival Caymmi, um Marino Pinto, dois Ary Barrosos -, contribui muito com o sabor de novidade a presença do produtor Tom Jobim, com três canções, seus pianos discretos e seus arranjos cheios de pequenos detalhes nas cordas e sopros, como contracantos de João.

Grande momento: “Morena boca de ouro”, releitura de um sucesso de 1941 de Ary Barroso, na voz de Silvio Caldas, aqui com o piano de Tom Jobim e a economia do arranjo impressionantes até hoje.


“O Amor, o Sorriso e a Flor” (1960)

O segundo LP de João Gilberto já começava ousado na capa, em preto-e-branco solarizado, criada por Cesar Villela, que em breve faria as famosas capas da gravadora Elenco. Gravado pouco mais de seis meses depois do primeiro disco, e novamente com direção musical de Tom Jobim, o álbum trazia no repertório seis novas canções do produtor, mais um Caymmi e um antigo sucesso nunca gravado do tempo de conjuntos vocais: “O Pato”.

Grande momento: Abrindo com vocalises que reinventam as harmonias da versão original do conjunto vocal Anjos do Inferno, de 1945, “Doralice”, de Caymmi, ganha versão definitiva com João Gilberto, em nada além de um minuto e 29 segundos. De acompanhamento, além de seu violão e leve percussão, a modernidade do piano delicado e cristalino de Tom Jobim e breves comentários da flauta no contraponto.


“João Gilberto” (1961)

No mesmo fôlego, um ano depois foi gravado o terceiro LP, homônimo, de João Gilberto. Em algumas faixas, acompanhado do conjunto do pianista Walter Wanderley, todo o resto novamente com Tom. Além de três novas do produtor, o repertório continua lembrando antigos sambas dos anos 40, desta vez com dois Caymmis, um Geraldo Pereira e um Bide/Marçal.

Grande momento: “A primeira vez”, samba de Bide e Marçal cantado por Orlando Silva em 1939, surge em versão quase invertida: o volume do original é traduzido em arranjo quase solo de voz-e-violão, apenas com o piano ocasional de Tom.


“Getz/Gilberto” (1964)

E então, o mundo descobriu. Gravado em Nova York ao lado do saxofonista estadunidense Stan Getz (e com Tom ao piano), o álbum foi lançado pela gravadora de jazz Verve e se tornou famoso em todo o planeta, ganhando cinco prêmios Grammy. Cantada pela mulher de João, Astrud, “Girl from Ipanema” saiu em single (sem a voz de João) e vendeu mais de um milhão de cópias – a canção se tornou uma das mais regravadas da história.

Grande momento: O máximo de sublime de João em disco se revela em sua interpretação de “Pra machucar meu coração”, do então recém-falecido Ary Barroso, que João muito admirava e havia acabado de conhecer. Perfeição no piano de Tom, sax de Getz, baixo e bateria de Tião Neto e Milton Banana, e João, no seu mais suave e musical.


“Getz/Gilberto II” (1964)

O primeiro disco ao vivo (ou meio) de João, gravado no Carnegie Hall em outubro de 1964, lado B de um LP com Stan Getz do outro. Na versão em CD, cinco faixas bônus trazem João e Getz juntos, com Astrud.

Grande momento: Apesar de não manter a aura de magia do encontro em estúdio, “Você e eu” ao vivo é mais um interessante encontro do violão ritmado do João com o sax jazzístico de Getz e a voz vaporosa de Astrud.


“En Mexico” (1970)

Gravado durante temporada de João Gilberto no México, como já fica claro no título, o álbum só foi gravado seis anos depois do último, e desta vez com arranjos de Oscar Castro Neves. Entre as novidades do repertório, três boleros, dois Jobins, duas autorais sem letra e uma composição de seu amigo João Donato gravada dois anos antes por Sergio Mendes: “The Frog”.

Grande momento: João canta tão próximo do microfone que sua respiração funde-se com sua voz com inigualável efeito de intimidade com o ouvinte em “Astronauta” (também conhecida como “Samba da pergunta”), só com seu violão, piano pontuando e etéreas cordas ao fundo.


“João Gilberto” (1973)

O auge do minimalismo zen de João, gravado novamente em Nova York. Desta vez acompanhado apenas do percussionista Sonny Carr e, em uma faixa, da voz de sua então nova esposa, Miúcha. Além de um Jobim, três faixas sem letra e mais alguns sambas antigos, a grande novidade são canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Grande momento: É irresistível acompanhar as harmonias vocais que João cria em contracanto com Miúcha em “Isaura”, sua versão do samba de 1945 de Francisco Alves. João, virtuose dos detalhes.


“Best of Two Worlds” (1976)

Com repertório baseado no chamado “álbum branco”, de três anos antes, traz novo encontro com Stan Getz, mais de dez anos depois do “Getz/Gilberto” original. Duas faixas são cantadas solo por Miúcha e uma novidade do repertório é “Retrato em Branco e Preto”, parceria do irmão da noiva, Chico Buarque, com Tom Jobim.

Grande momento: Cantada com serenidade e emoção por João, “Ligia” é uma novidade de Tom Jobim até hoje: João canta a primeira versão da letra, diferente da que depois ficou mais conhecida, com retoques de Chico Buarque. Getz aparece com dois solos dobrados, sobrepostos com melodias diferentes.

(Bônus momento: “É preciso perdoar“.)


“Amoroso” (1977)

Trazendo composições em inglês, italiano e espanhol e arranjos de orquestra do alemão Claus Ogerman – que havia cuidado da orquestra nos discos solo de Tom Jobim -, “Amoroso” foi desde seu lançamento recebido como momento de gala para João e é até hoje um de seus álbuns mais conceituados entre jazzistas.

Grande momento: Não é nem preciso entender a letra em italiano de “Estate” para ficar tocado com sua sensibilidade. Lendo-se, então, o “verão que criou nosso amor” e agora é um “legado de dor”, emocionante.


“João Gilberto Prado Pereira de Oliveira” (1980)

Segundo disco ao vivo de João, de um especial de TV da Rede Globo com plateia, orquestra e participações de sua filha Bebel Gilberto (então com 14 anos) e Rita Lee. Johnny Alf e Lamartine Babo são surpresas do repertório.

Grande momento: Antiga marchinha de 1939 de Lamartine Babo, cantada por Mário Reis em dueto com Mariah, “Jou Jou Balangandãs” vira pura bossa com a voz da tropicalista Rita Lee, interpretações em pura doçura.


“Brasil” (1981)

Gravado com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia: o violão de João, comentários dramáticos nas cordas e percussões e as quatro vozes se fundindo – Bethânia canta suave como nunca antes ou depois. Quase um disco conceitual sobre a Bahia, com versões de Caymmi, Ary Barroso e, novidade, Os Tincoãs.

Grande momento: Versão do standard americano “All of me” pelo letrista Haroldo Barbosa, “Disse alguém” é uma pérola, com João fazendo uma adaptação jazzística da sua batida ao violão, pequenas alterações na melodia e toda uma nova cor nas imagens em português.


“Ao Vivo em Montreux” (1986)

Terceiro disco ao vivo e um dos melhores momentos de João no palco, foi gravado – todo de voz e violão – no famoso festival de jazz suíço em 1985 e lançado em LP duplo, depois CD simples com duas músicas a menos.

Grande momento: O antigo sucesso de 1948 de Haroldo Barbosa na voz d’Os Cariocas, “Adeus América”, ganha todo um novo contexto na voz mântrica de João Gilberto, que tanto tempo morou nos Estados Unidos e havia retornado ao Brasil há pouco.


“João” (1991)

Com arranjos de cordas do americano Clare Fischer sobre a base de violão e voz de João, o disco não atinge os mesmos níveis de Amoroso, mas tem ótimo repertório, com Noel Rosa, Cole Porter, bolero, chanson.

Grande momento: João parece ter total controle sobre como fazer o tempo parar, andar para frente ou para trás em seus ritmos de violão e andamentos vocais. Em “Eu sambo mesmo”, de Janet de Almeida, cantada pelos Anjos do Inferno em 1946, o sublime é atingido já nos primeiros segundos.


“Eu Sei Que Vou Te Amar” (1994)

O quarto disco ao vivo de João e o mais sem graça, com mixagem imperfeita, edição brusca e repertório sem surpresas. “Você não sabe amar” é boa novidade.

Grande momento: “Lá vem a baiana”, de Caymmi, sempre perfeito na voz de João.


“Live at Umbria Jazz Fest” (1996/2002)

Quinto disco ao vivo de João, gravado na Itália em 1996 e lançado em CD em 2002. Mais atualizações de canções de todas as fases da carreira de João.

Grande momento: “Isto aqui o que é?”, de Ary Barroso, tão conhecida e sempre tão nova com João.


“Voz e Violão” (1999)

Produzido por Caetano Veloso, foi o último de estúdio gravado por João e o único inteiramente só de voz e violão. O repertório recupera sambas antigos de Bororó, Herivelto Martins, uma raridade de Tom Jobim, dois Caetanos e novas lapidações de “Chega de saudade” e “Desafinado”, cada vez mais sintéticas.

Grande momento: Dessa vez João Gilberto não foi tão longe, apenas 1980, para encontrar uma maravilha. “Você vai ver” foi lançada no álbum Terra Brasilis, de Tom Jobim, como uma elegante canção de fim de amor, aqui transformada em pura candura.


“In Tokyo” (2004)

País que cultua João Gilberto talvez até mais que o Brasil e recebe visitas frequentes para turnês, o Japão rendeu o mais recente disco ao vivo de João, sexto de sua carreira. Gravado em 2004, João tinha então 73 anos e faz ótima performance, tranquila e depurada.

Grande momento: Aracy de Almeida cantava “Louco” de Wilson Batista em 1946, e desde os anos 50 João a traz em seu repertório, apesar de nunca tê-la gravada em estúdio. Canta ao vivo a história do louco que chora e anda pelas ruas, transformando-se até num vagabundo.

Myriam Taubkin sobre Amado Maita

De família muito ligada à música, cantora e ouvinte curiosa desde cedo, Myriam Taubkin cresceu entre figuras-chave de muita música em São Paulo, ela própria grande produtora e curadora de diversos projetos legais há muitos anos. Inteligente e elegante, foi generosa e amorosa e ótima ajuda na pesquisa para realização do show em homenagem a Amado Maita, que acontece este próximo fim de semana no Sesc Pinheiros, companheira próxima que foi de Amado. Amigos de adolescência, foram casados por dez anos, entre os anos 70 e 80, juntos na fase mais produtiva de Amado. A meu pedido, Myriam escreveu belo texto com algumas lembranças pessoais, emocionais e musicais, breve retrato de um momento, dela, de Amado, da vida, da música e da cidade.

Conheci Amado Maita aos 16 anos, quando o vi na platéia do então festival de música do clube Alto de Pinheiros, onde me apresentava com um grupo defendendo a canção “Reflexão”, de sua autoria, que faria parte do único álbum de Amado, lançado no ano seguinte. Daniel, meu irmão, nos apresentou. Mesmo sendo classificada, ele considerou nossa interpretação ruim e quis ele mesmo defendê-la na final. Ganhou o troféu de melhor intérprete.

Ficamos muito amigos. Eu vinha de uma educação judaica, cheia de regras de boa educação em casa. Estava no primeiro científico do Colégio Rio Branco. Quando entrei pela primeira vez na casa do Amado, na rua Santo Antonio no Bixiga – era um almoço familiar normal, em algum dia da semana – fiquei atônita com a algazarra, o bom humor e a troca de afetos e insultos na mesa, enquanto comiam macarrão ao sugo, frango assado com batatas e outros quitutes da cozinha italiana, misturada com a árabe, preparados pela mãe dele, Dona Bernadete.

Acho que foi ali que descobri o Brasil, um outro Brasil.

Foi quando convivi de fato com a mestiçagem brasileira, com todo tipo de gente das mais diversas profissões, formais e informais, dentro e fora da legalidade daquela época, amigos do Amado e de seu pai, Hassam – Tito para os íntimos. Tito tinha um estacionamento na Rua Santo Antonio, na famosa ‘5 esquinas’, era querido no bairro e fora dele, recebendo gente pra uma conversa na calçada o dia todo. Amado era seu principal ajudante. Super simpático, inteligente, apaixonado por música, um talento para compor, tocar violão e cantar (e dançar! Como o Amado dançava, não tinha pra ninguém), atraía para ele a nata dos músicos da noite de São Paulo.

Foi com Amado que ouvi Tom Jobim, João Gilberto, Milton Nascimento, João Donato, Miles Davis, John Coltrane, Charles Mingus, Moacir Santos e tantos outros.

Anos depois nos casamos. Tivemos duas filhas.

Lembro quando em 1992, época em que eu produzia a série Arranjadores, no Cultura Artística, trouxemos – meu irmão Benjamim e eu – Moacir Santos da California, onde ele vivia, como um dos artistas convidados. Por conta do Amado, já conhecíamos toda a obra de Moacir e cantávamos, inclusive as meninas, grande parte de suas músicas no nosso cotidiano em casa. Quando o conheci naquela ocasião, e já separada do Amado havia anos, a primeira idéia que me veio à cabeça foi levar Moacir de surpresa ao estacionamento. Parei o carro, buzinei pro Amado e enquanto ele se aproximava, abri a porta do lado da calçada. Ao ver a figura de Moacir assim de sopetão, um ídolo pra ele, Amado abriu um sorriso, ficou numa alegria que contagiou tudo em volta. Fiquei feliz e eles se tornaram bons amigos.

Moramos em várias casas, em bairros diferentes da cidade. Pra qualquer nova morada que seguíamos, muitos amigos do Amado nos acompanhavam e também mudavam de endereço pra permanecerem perto dele.

Além da Teresa e da Luísa, devo muito ao Amado. Foi meu principal amigo e companheiro entre os meus 16 e 30 anos, período de formação de qualquer pessoa. Tínhamos muito assunto, sempre. Vivemos juntos durante 10 anos e continuamos amigos até o dia em que ele se foi.

Melhores de 2011: Guizado

Bob Marley – One Love: The Very Best of Bob Marley & The Wailers
Bob Dylan – The Times They Are A-Changing (1964)
Iggy Pop – Party (1981)
Stark Reality – Now (1969)
Pink Floyd – The Piper at the Gates of Down (1967)
The Beatles – Revolver (1966)
Secos e Molhados (1973)
Novos Baianos – Acabou Chorare (1972)
B.A.D. – No. 10, Upping St. (1986)
Antonio Carlos Jobim – Stone Flower (1970)
Quincy Jones – They Call Me Mr. Tibbs (1970)
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Em 2011 Guizado apareceu no álbum Longe de Onde, de Karina Buhr, e no compacto Estúdio A.2, de Bruno Morais.
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Mais melhores de 2011 por aqui.

Aloe Blacc quer dar rolê com Hermeto Pascoal

Domingo dia 27 no Rio, dentro do festival Back2Black, terça dia 30 no Bourbon Street em São Paulo, o rimador e cantor de novo soul Aloe Blacc, autor de uma das melhores canções pop americanas dos últimos tempos, “I need a dollar“, se apresenta com sua banda Grand Scheme. Aproveitando o momento, liguei pra ele na Califórnia essa semana pra meia dúzia de perguntas, em matéria publicada hoje na Folha Ilustrada. Abaixo, o papo.

Você já veio ao Brasil?

Nunca fui, vai ser minha primeira vez.

Tenho certeza que você tem alguns músicos brasileiros favoritos…?

Meu interesse na música brasileira nasceu com a bossa nova de Tom Jobim e Astrud Gilberto. Essa foi a primeira coisa brasileira por que me apaixonei. Depois descobri artistas como Jorge Ben, Sérgio Mendes, Arthur Verocai e Flora Purim. Muitas coisas bonitas e diferentes.

E já ouviu alguma coisa sobre o hip-hop brasileiro?

Sim. Ouvi falar muito sobre o grafite e também sobre a cena hip-hop no Brasil, mas ainda preciso conhecer os nomes.

Por aqui também a cena hip-hop tem encontrado equilíbrio com música tocada, cantada. Você acha que o hip-hop e o soul tem encontrado novas relações ultimamente?

Acho que sim. O hip-hop está crescendo – e quando você fica mais velho, quer se expressar de novas maneiras. O meu interesse se virou para a música tocada ao vivo.

Essa influência de soul music é uma coisa que sempre esteve com você ou foi uma novidade quando descobriu?

Foi uma espécie de experimento a princípio. Agora virou meu emprego. (risos) Fiz um álbum chamado Shine Through, em que cantei uma cover de Sam Cooke com uma batida hip-hop, “A change is gonna come”. E também a faixa-título, “Shine through” era uma canção soul. E “I’m beautiful“, do mesmo álbum. Essas foram o começo de minhas experiências com hip-hop e soul. Depois fui me aprofundando mais e mais.

A inspiração para escrever “I need a dollar” foi próxima de escrever um rap?

Foi mais ou menos. Quando escrevi “I need a dollar” estava ouvindo canções folk. Músicas de presos acorrentados uns aos outros, de pessoas que estavam encarceradas e trabalhando como parte de sua pena, cantando para ajudar no trabalho. Cantando suas próprias músicas e dividindo as canções enquanto trabalham. Muitas histórias seriam sobre seus problemas – e me inspirei a criar minha propria canção de presos acorrentados. Essas canções são muito repetitivas e são comunitárias, envolvem mais de uma pessoa. E quando estava escrevendo os versos, acrescentei coisas da minha vida pessoal.

Imagino que tenha sido uma surpresa quando ela começou a ficar famosa.

Nunca esperei que fosse ser um grande hit. Achei que fosse ser como todo o resto, uma canção undeground de que as pessoas gostam, como meu último álbum. Mas se tornou algo muito grande. Acho que todo mundo a conhece hoje, pessoas de quatro anos e pessoas de 64 anos, todos cantam.

Ok, última pergunta: que músico você gostaria de encontrar nessa vinda ao Brasil?

Hmm. Sabe o que seria muito legal? Passar o dia com alguém como Hermeto Pascoal. Como um músico, tenho visto as coisas que ele tem feito pelos anos e ouvido a música que ele tem feito e seria muito interessante e divertido e empolgante passar um dia fazendo um som com ele – ou simplesmente o assistindo.

Celia 1971/1972


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De hoje a domingo, no Sesc Vila Mariana, Celia se apresenta com a ocasião especial de comemorar 40 anos de carreira, completados em 2010 – em 2011, comemoramos 40 anos de sua primeira gravação.

Seus dois primeiros discos, de 1971 e 1972, há tempos que são altamente cultuados no meio de colecionismo de vinis e difusão pela internet. Agora, pela primeira vez, a qualquer momento chega às lojas de CD que ainda existem versão dois-em-um dos dois álbuns, pela Warner, dona do catálogo da Continental, que lançou os LPs originais.

História que se cruza com a de Celia é a do grande maestro Arthur Verocai, que, depois de trabalhar nos primeiros discos e hits de Ivan Lins e Celia, em 1972 gravou álbum absolutamente ímpar na história da música brasileira, cheio de ideias ousadas e sons revolucionários, hoje em dia discografia básica de produtores e rimadores de hip-hop por todo o planeta.

Aproveitando o momento do show e o relançamento de seus dois incríveis primeiros discos, conversei com a Celia sobre sua história, a gravação e o impressionante repertório dos primeiros LPs, sua relação com Verocai e os fãs que hoje formam fila para pedir seu autógrafo: os rappers de São Paulo.
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Como você chegou a primeira vez na Continental?

Foi tudo muito sem querer. Eu dava aula de violão, era a cantora que estuda música. Estudei muitos anos, fiz teoria, harmonia, composição, orquestração, aquelas coisas que se usavam. Quer dizer, usava também até a página 3, né? (risos) Eu estudava música, dava muita aula e cantava, mas não profissionalmente. Todo mundo achava o máximo, mas eu sempre fui muito crítica comigo.

Até que uma amiga, Elody, me apresentou um empresário chamado Waldomiro Saad e o Waldomiro me apresentou o maestro Pocho Perez, um mexicano que vivia aqui no Brasil e era diretor artístico da Continental. Ele me disse, “menina, por que você não grava um LP?” Eu disse, “eu gravo, como é que faz?” Então ele falou, “passa amanhã na avenida Sete de Abril” – a Continental era lá – “que eu já quero assinar um contrato com você”.

Na época o diretor da gravadora era o Rodrigues e não sabia de nada, quando chegou falou “quem é essa porra dessa Célia aqui?” O Pocho disse, “é uma moça assim e assim”. Chegou Agostinho do Santos e parece que desfiou um rosário de maravilhas sobre mim. Aí o diretor da gravadora disse, “já que vocês fizeram isso, agora dêem todas as condições pra ela”.

A Continental era uma gravadora sertaneja e estava querendo investir nessa coisa de MPB, então botou todas as fichas em mim. Consegui arranjadores maravilhosos, como o Rogério Duprat e o Arthur Verocai.

Os dois discos são cheios de músicas inéditas e muito modernas. Como vocês chegaram nesse repertório?

Fui fazer o meu primeiro LP com uma lista de compositores que começava com Antonio Carlos Jobim e terminava com Vinicius de Morais. E eu ali, a Célia de São Bernardo do Campo. Quem me ajudou, muito, foi a Joyce, que era amiga da Elody e fez a ponte com o pessoal todo. Se não fosse a Joyce na época seria a maior saia justa pra chegar até essas pessoas, pedir música, escolher repertório.

A Joyce mesmo me enchia de música, “Abrace Paul McCartney” é uma maravilha. Gravei também o Nelson Ângelo, que era marido dela na época. Gravei “Para Lennon e McCartney” antes do Milton. Também o Lô e o Márcio Borges, o pessoal de Minas era muito chegado. E Egberto Gismonti. Uma maravilha, foi uma época muito produtiva.

Do Ivan Lins sempre gravei coisas. Nessa época ele ainda nem compunha com o Vitor Martins – tanto que no meu segundo disco tem músicas do Vitor com Arthur Verocai. No primeiro gravei também “Adeus Batucada”. De repente, diziam “quem é essa garota que tá começando a cantar com 20, 21 anos e vindo com uma música de Carmen Miranda da década de 30?” Foi exatamente esse tipo de coisa que chamou atenção da imprensa na época.

O segundo tem inéditas do Erasmo, do Zé Rodrix, do Marcos Valle.

“Detalhes”, Roberto Carlos me deu. “A hora é essa” é inédita mesmo, do Erasmo e do Roberto. Eles faziam muita coisa inédita pra mim. Liguei pro Erasmo e pedi, ele fez “A hora é essa”, depois fez “Nasci numa manhã de carnaval”, que gravei em compacto. Eles mandavam em fitinha. (risos) Ou eu ia pra casa deles no Rio e a gente gravava em cassete, eu trazia pra casa e aprendia. Erasmo sempre foi uma pessoa muito querida, Roberto também, muito bonito.

O Zé Rodrix morava aqui em São Paulo, sempre morou. Ele me mandava um monte de músicas e eu escolhia, gravei “Vida de artista”. O Ivan também me mandava um monte e eu escolhia. “Dominus tecum”, do Marcos Valle, ele fez, eu gravei primeiro e ele gravou depois. E depois foi até um tema de novela. O Marcos tinha uma casa na Urca, maravilhosa.

Tom Jobim também, fui até a casa dele de gravador na mão. Em cima do piano dele tinha tralha que não acabava mais, ele dizia “ninguém mexe aqui na minha bagunça”. Fui à casa dele e no dia em que fui ele estava compondo “Águas de março”.

Uau. Uma característica que sinto da sua interpretação, além de deixar as coisas simples mais sofisticadas, é de deixar as coisas sofisticadas com uma casualidade poética, uma coisa cotidiana muito charmosa.

No segundo disco gravei Tom Jobim e um bolero do Armando Manzanera, coisa que ninguém fazia. Me perguntaram por que gravei esse bolero, eu falei “ah, porque eu quis, né?” Me perguntavam, “mas qual é a linha?” E eu, “linha?”

A crítica dizia que eu precisava ter uma linha, e eu mandei todo mundo à merda na época. Mandaria de novo hoje, quem foi que disse que eu tenho que seguir regras? Quem tem que ter linha é o Bergman, que é cineasta. Eu sou uma intérprete. A partir do momento em que misturo Benito di Paula com Antonio Carlos Jobim já perdeu a linha. Eu sou uma desalinhada. (risos)

O Verocai me contou que gravou o disco dele graças a você. Como você o conheceu?

Foi o Ivan que me apresentou o Verocai. Ele trabalhava com o Ivan, que um dia me disse “nossa, preciso te apresentar um maestro maravilhoso”. No meu primeiro disco o Verocai fez um ou dois arranjos, fez “No clarão da lua cheia”, do Ivan. Gostei tanto que no seguinte ele fez tudo, todos os arranjos do meu segundo disco.

Aí falei, “agora precisa fazer um LP instrumental na Continental”. Consegui pra ele fazer o LP dele, onde ele está sentado na capa. Como eu virei a rainha da Continental, virei um dia e falei: “Tem um maestro aqui que é maravilhoso e quer fazer um disco instrumental. Por favor lancem pra mim.” E a Continental dizia “pois não”. Ele fez com todas as cordas e pompa e circunstância que quis, não teve problema nenhum.

No meu segundo disco gravei do Veroca “Na boca do sol” e no disco dele participei cantando aquela música “Seriado“, que também cantei no show que ele fez no Sesc Pinheiros. No show ele falou, “minha carreira devo a essa moça aqui”. Eu disse, “sua carreira você deve a você”. E ele, “ah, mas se você não me empurrasse… música instrumental?”

Eu estava no show dele, foi lindo.

Quando fui fazer o show do Verocai, vários garotos chegaram com LPs meus na mão. Pensei, “é por causa do que eu fiz com o Verocai”, mas eles tinham os meus dois primeiros LPs! O Danilo Caymmi falou pra mim: “Que isso?! Isso é coisa de paulista, carioca não faz isso. Ninguém vai num show meu com um monte de LPs.” (risos)

Era uma fila de garotada, aí falei: “Olha, vou fazer uma pergunta, como é que vocês tem o meu disco?” O que eles me disseram é que todos os rappers tem os meus discos, inclusive fazem muito trabalho em cima deles. Fiquei extremamente feliz, foram mais de 50, 60 discos que eu autografei.

Vou fazer em setembro show no Sesc Pinheiros e vai ter uma noite que vou chamar rappers pra fazer comigo. Eles fazem parte da minha vida. Essas coisas novas, de primeira classe – como os rappers, cantoras como a Fabiana Cozza – a gente tem que prestar atenção, senão envelhece.
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Os dois LPs obra-primas que estão saindo compiladas em um CD, pela Warner:

CELIA (Continental, 1970)
Arranjos de Pocho Perez, José Briamonte, Rogério Duprat e Arthur Verocai

01 Blues (Capinan / Joyce)
02 No clarão da lua cheia (Ronaldo Monteiro / Ivan Lins)
03 Durango Kid (Toninho Horta / Fernando Brant)
04 David (Nelson Ângelo)
05 To be (Joyce)
06 Abrace Paul McCartney (Joyce)
07 Pelo teletipo (José Jorge / Ruy Maurity)
08 Adeus batucada (Sinval Silva)
09 Para Lennon e McCartney (Márcio Borges / Lô Borges / Fernando Brant)
10 Zózoio Como é que é (Nelson Ângelo)
11 Fotograma (Tibério Gaspar / Antônio Adolfo)

CELIA (Continental, 1972)
Arranjos e regência do maestro Arthur Verocai

01 A hora é essa (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
02 Toda quarta-feira depois do amor (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
03 Dominus tecum (Paulo Sergio Valle / Marcos Valle)
04 Ay Adelita (Piry Reis / João Carlos Pádua)
05 Vida de artista (Luiz Carlos Sá / Zé Rodrix)
06 Mia (Armando Manzanero)
07 Na boca do sol (Vitor Martins / Arthur Verocai)
08 Em família (Tom / Dal)
09 Detalhes (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)
10 É preciso dizer adeus (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
11 Dez bilhões de neurônios (Zezinha Nogueira / Paulinho Nogueira)
12 Badalação (Bahia volume 2) (Nonato Buzar / Dito / Tom)
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João pirata

João Gilberto nunca é suficiente. Adepto do menos é mais até na quantidade de discos e shows, sua produção é muito menor do que a demanda de ouvidos. Já que muito de sua arte vem da intensa depuração e reinterpretação, faz sentido a obsessão de fãs com as muitas gravações caseiras, bootlegs de show, áudios de especiais de TV e afins que circulam há anos e atingiram seu auge de circulação com a internet.

§Abaixo, cinco discos ao vivo nunca lançados de João que você encontra na rede.


REGISTROS NA CASA DE CHICO PEREIRA (1958)

Captado um ou dois anos antes das gravações do primeiro disco de João, na casa do fotógrafo Chico Pereira, é fascinante por mostrar sua música já pronta como a conhecemos hoje – e captar o espanto de sempre dos ouvintes.

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UM ENCONTRO COM JOÃO GILBERTO, TOM JOBIM, VINICIUS DE MORAES & OS CARIOCAS (1962)

Famoso show de 1962 que reuniu João a Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Os Cariocas no Au Bon Gourmet para lançarem canções como “Garota de Ipanema”, “Samba do avião”, “Só danço samba”, “Samba da bênção”. Histórico há 40 anos.

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A ARTE E O OFÍCIO DE CANTAR (1982)

Especial da TV Bandeirantes feito em 1982, já começava com barraco e trazia João cantando várias músicas inéditas em sua voz e participação de Ney Matogrosso. Enquanto não vira DVD você encontra o áudio completo em dezenas de torrents.

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JOÃO GILBERTO EN MADRID (1985)

Gravado ao vivo na Espanha no mesmo ano do belo álbum “Ao Vivo em Montreux”, traz João em uma excelente hora de voz e violão.

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JOÃO GILBERTO Y CAETANO VELOSO AO VIVO EN BUENOS AIRES (1999)

Apesar da “capa” inexplicável – coisas da internet -, o registro é de um ótimo show feito por João com Caetano Veloso (juntos e separados) e seu violões, em 1999, Buenos Aires.

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Qual mais?
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vermelho e azul

Aproveitei o sábado passado em Copacabana e peguei o show da Nina Becker no lindo espaço arena do Sesc Copa, lançamento dos discos Azul e Vermelho. Só pra mostrar como foi legal, dois momentos: “Estrada do Sol”, Dolores Duran e Tom Jobim, e “Samba Jambo”, Jorge Mautner e Nelson Jacobina; no caso com o próprio, solo emocionante.